19/08/2019
Melhorar a qualidade de vida dos pacientes deve ser a principal missão dos médicos, o que nos estimula na busca por novos tratamentos. Por outro lado, inovações geram prestígio para seus autores, receita para a indústria e manchetes. Como então ter certeza de que a novidade realmente ajuda o paciente?
Havendo patrocínio a pesquisadores, esse deve ser declarado nas publicações, o que pode despertar sentimentos raivosos sobre os riscos das relações médico-indústria, ignorando os possíveis benefícios. A indústria, que tem mais recursos financeiros do que laboratórios acadêmicos para o desenvolvimento de novos produtos, precisa de pacientes para as pesquisas, e os médicos podem identificar esses voluntários. No entanto, os objetivos de médicos e indústria podem não se alinhar, por exemplo, quanto à mínima melhoria na sobrevivência dos pacientes com novas drogas a custos exorbitantes. Portanto, é preciso considerar sob quais condições essa colaboração é adequada.
Em recente artigo do Journal of American Medical Association, foram avaliados os conflitos de interesse entre oncologistas em 43 estudos americanos publicados em renomadas revistas entre 2016 e 2017. Dos 1.007 autores, 363 eram oncologistas, dos quais 76% receberam pelo menos um pagamento da indústria, de cerca de 3 mil dólares. Um terço dos oncologistas não divulgou quanto recebeu. Por outro lado, um quarto dos autores não recebeu qualquer pagamento.
Num outro artigo, médicos generalistas avaliaram estudos que apenas diferiam quanto à fonte de financiamento. Embora a metodologia das pesquisas fosse idêntica, as patrocinadas pela indústria farmacêutica foram consideradas menos rigorosas por esses médicos. Será então que o dinheiro é prejudicial à integridade científica? Ou revelar as relações dos autores provoca críticas negativas ao conteúdo técnico apresentado?
No entanto, vários profissionais têm uma visão positiva sobre pesquisas financiadas pela indústria, mas preferem o anonimato, pelo receio de serem desacreditados pelos colegas ou pacientes. Muitos recusam dar entrevistas ou escrever editoriais. No outro lado, o psicólogo George Loewenstein sugere haver o fenômeno do “licenciamento moral”, quando alguns especialistas “voluntariosos”, ao declararem estarem sendo patrocinados, se sentem liberados da ortodoxia científica e passam a atuar como “propagandistas”.
As mídias que lutam contra fake news têm responsabilidade ao divulgar estudos científicos. É necessário cautela. Sentimentos positivos dos leitores em relação a um tratamento podem levá-los à falsa impressão de que a probabilidade de benefício significa baixo risco. Noventa por cento de sucesso, ou dez por cento de mortalidade, têm o mesmo significado, mas acolhimento diferente.
Médicos especializados e isentos podem ajudar na busca da resposta correta, pois é essencial a transparência nas relações médico-indústria-imprensa quanto aos conflitos de interesse. A realidade científica (passageira) é a notícia correta.
Alfredo Guarischi