08/07/2019
Francis Moore (1913-2001) foi um inovador, unindo a anatomia com os experimentos em fisiologia e química. Nascido em Illinois, EUA, escreveu que “...o investigador cirúrgico deve fazer uma ponte entre a biologia e o paciente... consciente de que em um extremo dizem que ele não é um cientista muito bom e, no outro, que ele não fica tempo suficiente na sala de operações”. Sua maravilhosa infância foi numa fazenda da família. Aplicado, estudou latim, alemão e música (tocava clarinete e piano) e se interessou por teatro, sinfonia e antropologia, na qual recebeu o grau máximo.
Diplomou-se em medicina pela Harvard em 1935, também no grau de cum laude. Fez sua formação cirúrgica no Massachusetts General Hospital (MGH), um dos maiores hospitais do mundo. Asmático, não foi lutar na II Guerra Mundial, mas, em 1942, como médico residente, venceu uma grande guerra. Cuidou de muitas vítimas do trágico incêndio no Cocoanut Grove Nightclub. Usando curativos com gaze vaselinada e mudando a forma de hidratar os queimados, obteve uma impressionante taxa de sobrevida. Tal experiência mudou a medicina do trauma.
Mais tarde, trabalhou no Peter Bent Brigham Hospital, um pequeno hospital comparado ao MGH, e onde fez sua carreira. Aos 34 anos de idade e com apenas nove de formado, assumiu o departamento de cirurgia da Harvard, sendo chefe por 28 anos. Estimulou lideranças na cirurgia cardíaca, infantil e transplante de rins e fígado. Sua frase predileta: “Por que não fazer melhor da próxima vez?”
Entre inúmeras publicações, o livro “Resposta metabólica à cirurgia”, fruto de suas pesquisas em laboratório e no cuidado de pacientes, mudou o modo de pensar dos cirurgiões.
Moore também escreveu e orquestrou várias peças teatrais, o que não o impediu de se tornar consultor da NASA e de cirurgia oncológica do Dana-Farber Cancer Institute, além de editor da mais respeitada revista médica, a New England Journal of Medicine.
Em sua autobiografia “Um milagre e um “privilégio”, em 1995, o Cirurgião do Século escreveu que “...não se deve dizer: eu sou um corpo, eu tenho uma alma; mas sim: eu sou uma alma que vive em um corpo... quando a morada (o corpo) não é mais habitável pela alma, é melhor deixá-la partir...”.
Em 1988, Laura, sua esposa por 53 anos, morreu num acidente de carro. Tinham cinco filhos, inúmeros netos e bisnetos. Compartilhavam o prazer de velejar e receber seus alunos. Em 1990, casou-se com Katharyn, viúva de um amigo. Ela foi também uma grande companheira.
Num sábado de 2001, em sua biblioteca, sentiu que seu corpo não era mais habitável diante do próprio sofrimento com uma enfermidade sem solução. Decidiu terminar sua jornada.
Francis foi um eterno pesquisador. Sua decisão, em pleno controle de seus atos, encontra eco em algumas culturas. Esse seu inquietante ato final, que provoca ruidosos debates, foi mais um questionamento desse extraordinário chefe de família, músico, velejador, orador, cientista e cirurgião à sociedade.
Alfredo Guarischi