Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 3 Vol.3 Nº 4 - Out/Dez 2005<< Arquivo PDF >>
Perfuração Cecal Assintomática por D.I.U.: Tratamento Laparoscópico
Laparoscopic Management of Asymptomatic Cecal Perforation by Intrauterine Contraceptive Device
Ricardo Zorrón, Marcelo Trindade Menezes, Henrique Philips, Clarice Zuba, Marcos Filgueiras
Disciplina de Cirurgia e Serviço de Cirurgia HCTCO - Curso de Graduação em Medicina de Teresópolis - FESO
OBJETIVO: É apresentado um caso de complicação intra-abdominal de um dispositivo intrauterino que migrou para uma situação intra-cecal, tratada por videolaparoscopia, após três meses in situ.
Relato De Caso: Uma mulher de 36 anos, assintomática, teve descoberta incidental de um dispositivo intra-uterino em situação intra-abdominal por TC abdominal, de localização intra-cecal com perfuração bloqueada por órgãos adjacentes. O dispositivo foi introduzido três meses antes, e três meses após parto tipo cesárea. A inserção do DIU foi sem complicações, exceto por pequeno sangramento após o procedimento. A extração laparoscópica do dispositivo, apendicectomia e sutura do cólon foi realizada, com evolução sem intercorrências.
CONCLUSÃO: A transmigração do DIU para a cavidade abdominal é incomum, mas pode levar a complicações graves, que são preferencialmente manejadas por videocirurgia.
Palavras-chave: DISPOSITIVO INTRA-UTERINO/ complicações, CIRURGIA/ complicações, Laparoscopia.
OBJECTIVE: Presentation of a case of abdominal complication of a transmigrated intra-cecal IUD, after 3 months in situ, successfully treated by laparoscopy.
CASE REPORT: An asymptomatic 36-year old woman, , had an incidentally found intra-abdominal situated IUD in a CT scan Location was intracolonic with a suspected blocked perforation to adjacent organs. The device was introduced three months earlier, after a cesarean procedure, and the insertion of the IUD was asymptomatic except for a small bleeding after the procedure. Laparoscopic extraction of the device, appendectomy and sutured closure of the colon was performed.
CONCLUSION: Transmigration of IUD to the abdominal cavity is uncommon. Complications of a misplaced device should be managed laparoscopically.
Key words: Intrauterine Device/ complications, Surgery/ complications, Laparoscopy.
Zorrón R, Menezes MT, Philips H, Zuba C, Filgueiras M. Perfuração Cecal Assintomática por D.I.U.: Tratamento Laparoscópico . Rev bras videocir 2005;3(4): 216-219.
Recebido em 15/02/2006
Aceito em 21/02/2006
instalação de Dispositivo Intra-Uterino constitui forma segura e efetiva, entre os métodos de contracepção. A perfuração uterina é uma das mais graves complicações associadas com a inserção do DIU. A incidência de perfuração associada ao DIU é estimada em 0,05 a 13 para cada 1000 inserções, com taxa aceitável de 1,2/1000 inserções15. Cerca de 15% destas perfurações pode levar a complicações de órgãos adjacentes, principalmente intestinais1,3,11. Os dispositivos podem ser inseridos com segurança durante o período de lactação em 8-12 semanas após o parto.
Este relato descreve uma perfuração assintomática, por três meses, do cólon direito por DIU e sua abordagem laparoscópica.
Relato de Caso
Paciente do sexo feminino, 36 anos, assintomática, procurou tratamento enviada pelo médico assistente, que localizou Dispositivo Intra-uterino (DIU) na cavidade abdominal, instalado sem intercorrências há três meses. Quando da colocação do dispositivo, a paciente encontrava-se no terceiro mês após parto por cesareana, a termo, também sem intercorrências. Após a instalação do dispositivo, a paciente referiu pequeno sangramento vivo por via vaginal. Duas semanas após, realizou ultrassonografia pélvica de controle, que não localizou o DIU. Realizada vídeo-histeroscopia, cerca de 10 dias após, descartando a possibilidade de o mesmo se encontrar em posição intra-uterina. Foi realizada então radiografia simples e tomografia computadorizada de abdome, com contraste oral e venoso, que localizou o DIU parcialmente intra-cecal, com bloqueio da perfuração com apêndice vermiforme e cólon sigmóide, sem abscesso (Figura -1a e 1b).
Foi indicada a exploração laparoscópica da lesão, com utilização de três trocartes: um trocarte de 10mm, na cicatriz umbilical, para a câmera, um trocarte de 10mm em flanco esquerdo, para a mão direita do cirurgião, e um de 5mm, supra-púbico, para a mão esquerda. Realizado pneumoperitôneo com 12mmHg de CO2 através de técnica aberta trans-umbilical, e instalados os trocartes sob visão direta.
Realizado o inventário de cavidade, que demonstrou útero e anexos íntegros, e a dissecção do bloqueio inflamatório de alças de sigmóide e apêndice vermiforme, demonstrou a presença do DIU com seu guia parcialmente na cavidade abdominal, e quase em sua totalidade inserido na parede medial do ceco, através de uma perfuração bloqueada de 2,5cm (Figura 1-c). Realizada a retirada do DIU por trocarte de 10mm, apendicectomia e sutura do defeito em plano único com pontos separados de Prolene 3.0 (Figura 1-d). Foi feita lavagem de cavidade com soro fisiológico e não foi utilizada drenagem. O procedimento teve duração de 51min. A paciente teve boa evolução pós-operatória, sem complicações, com início da dieta em 12hs e alta em 48hs.
Figura 1 - a) Radiografia simples de abdome, demonstrando DIU intra-cavitário. b)Tomografia computadorizada, com contrate oral e venoso, demonstrando a presença de DIU intra-cecal, sem abscesso ou extravasamento do contraste. c)Achado intra-operatório do DIU sendo retirado da alça colônica após liberação do bloqueio inflamatório. d) Sutura do defeito cecal com pontos separados de Prolene 3.0.
Discussão
O Dispositivo Intra-Uterino, quando em situação intra-peritoneal, pode permanecer longo período sem sintomatologia, sendo relatados casos de perfuração assintomática de víscera oca após até 8 anos3. A incidência é influenciada pelo tipo de DIU, o período de inserção em relação com o término da gestação, a posição do útero, a técnica de inserção, e a expertise do profissional que insere o dispositivo1. Em um estudo com mais de 10.000 inserções de DIU, indicou que a maioria das perfurações (86%) não foram diagnosticadas no momento da inserção, e somente detectadas mais tarde6.
O caso relatado é de um dispositivo instalado 24 semanas após parto cesareana, tendo sido a inserção relacionada a pequeno sangramento vivo. A perfuração uterina ocorre em geral no momento da inserção e pode ser assintomático8. Entretanto, dor abdominal e sangramento são indícios de uma possível perfuração. Outras complicações de migração e perfuração do DIU foram relatados na literatura, incluindo perfuração de intestino delgado, cólon e bexiga, além de obstrução intestinal e apendicite causada pelo dispositivo2,11.
O mecanismo de translocação de um DIU parece ser uma ruptura completa ou parcial no momento da inserção. Existem evidências de que também o DIU mal-colocado pode gradualmente causar erosão da parede uterina e causar sua translocação muito tempo após a inserção. Perfurações de DIU são classificadas radiologicamente conforme o compartimento anatômico, com tipo 1 correspondendo a envolvimento do endométrio12. Tipo 2, 3 e 4 correspondem a penetração do miométrio, cavidade peritoneal e outros órgãos, respectivamente. A localização mais freqüente do DIU que perfurou o útero são o fundo de saco posterior e o omento maior.
Embora em alguns casos pode ser assintomática, a transmigração do DIU para a cavidade abdominal pode cursar com inúmeras complicações listadas na literatura. Estas incluem infecção, obstrução intestinal, perfuração de bexiga e intestino delgado e grosso, apendicite aguda, fístula colônica e até dor ciática4,10,11,13. Em pacientes sintomáticos a indicação é cirúrgica, enquanto para os assintomáticos a indicação não é clara, podendo haver a opção de manter observação, dependendo da localização, formato e material do dispositivo, e a existência de implicações médico-legais.
No presente caso, a paciente teve boa evolução, sendo o uso da videolaparoscopia indicada com segurança e bom resultado cosmético. O inventário de cavidade laparoscópico permite a localização e extração da maioria dos corpos estranhos cavitários, e a realização de suturas e ressecções intestinais também têm o beneficio da cirurgia minimamente invasiva.Referências Bibliográficas
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Ricardo Zorrón
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