Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 3 Vol.3 Nº 2 - Abr/Jun 2005<< Arquivo PDF >>
Tratamento Laparoscópico do Refluxo Gastroesofágico em Crianças: Estudo Crítico da Literatura
Laparoscopic Treatment of Gastroesophageal Reflux in Children: A Critical Study
Maria Luisa Freire Gonçalves, Paulo Cezar Galvão do Amaral, Edvaldo Fahel
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é resultado de uma função esofágica anormal e acomete 6,7% da população infantil. Uma opção para o tratamento dessa patologia é a cirurgia. O objetivo deste trabalho é comparar a morbi-mortalidade e o custo hospitalar do tratamento da DRGE em crianças com aplicação das técnicas cirúrgicas por vídeo e convencional. Os dados foram obtidos a partir de uma pesquisa nos bancos de dados Medline e Lilacs com as palavras de busca gastroesophageal reflux, surgery e children, tendo sido encontrados 1278 títulos entre 1980 e 2004 e selecionados aqueles que abordavam o tratamento cirúrgico videolaparoscópico da DRGE em crianças. Obedecendo a esses critérios foram escolhidos 17 artigos. A partir desta revisão observou-se que o resultado do tratamento videolaparoscópico foi tão efetivo quanto o convencional na DRGE, com menor tempo cirúrgico, melhor estética, início precoce da alimentação e das atividades, menor tempo de internação e custo hospitalar, menor índice de recorrência do RGE e mortalidade equivalente à cirurgia aberta. A análise dos dados reportados na literatura, nos permite concluir que o tratamento videolaparoscópico do RGE pode constituir-se seguro e eficaz em crianças e neonatos, sugerindo que sua indicação pode ser considerada como primeira opção cirúrgica nesses pacientes.
Palavras-chave: refluxo gastroesofágico, cirurgia, videolaparoscopia, criança.
The gastroesophageal refulx disease (GERD) occurs as a consequence of an impaired esophagus and it happens in 6,7% of children. The surgery is one option for its treatment. The aim of this study is to compare the morbi-mortality and the hospitalar costs of GERD treatment in children using laparoscopic and laparotomic techniques. These data were collected from Medline and Lilacs using as key words gastroesophageal reflux, surgery and children and 1278 titles between 1980 and 2004 were found. From this search, 17 articles about laparoscopic surgery treatment of GERD in children were selected. This review has found that the results of laparoscopic treatment is as effective as the conventional surgery , with less time of surgery, better esthetics, precocity feeding and activities, less internment time, less hospitalar cost, lower recurrence rate and the same rate of mortality. The data analyzed on this research conclude that the laparoscopic treatment of GERD is safe and efficient in children and neonates suggesting that its indication should be consider the first option for surgery in these patients.
Key words: gastroesophageal reflux, surgery and children
GONÇALVES M.L.F, AMARAL P.C.G., FAHEL E.. Tratamento Laparoscópico do Refluxo Gastroesofágico em Crianças: Estudo Crítico da Literatura. Rev bras videocir 2005;3(2):76-86.
Recebido em 18/06/2005
Aceito em 10/08/2005
efluxo gastroesofágico (RGE) corresponde a passagem involuntária do conteúdo gástrico para o esôfago, não indicando por si só uma patologia.1 A função gastroesofagiana normal é complexa e dependente da motilidade do esôfago, da contração e relaxamento do esfíncter esofagiano inferior, da pressão intraluminal do estômago e do esvaziamento gástrico. Na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) no mínimo um desses fatores está alterado.2
A DRGE só foi considerada como problema clínico significante a partir de 1930 e requer tratamento em 25 a 50% dos adultos acometidos.3,4 A maioria desses pacientes é tratada clinicamente com inibidores de bomba de prótons e agentes pró-cinéticos e em 10 a 20% dos casos a cirurgia se faz necessária.5
O tratamento cirúrgico convencional da DRGE teve início a partir de 1950, primeiramente descrita por Nissen, e a videolaparoscopia começou a ser aplicada apenas na década de 90.4,5 O primeiro RGE tratado por laparoscopia em um adulto foi reportado em 1991 e atualmente a fundoplicatura laparoscópica tem mostrado ser tão segura e efetiva quanto a convencional, tornando-se a primeira opção cirúrgica.4,5,6,7,9,12,13
Em torno de 6,7% da população infantil apresenta RGE, sendo que em 80% ocorre resolução espontânea nos primeiros 12 a 24 meses de vida, em 1,7% das crianças faz-se investigação do refluxo e tratamento farmacológico e em 0,4% é necessário o procedimento cirúrgico.8
Algumas indicações para o tratamento cirúrgico da DRGE em crianças são: sintomatologia persistente mesmo com o uso de medicamentos ou imediatamente após a suspensão da terapia, prevenção da progressão do quadro, aparecimento de complicações da esofagite, aspiração recorrente, retardo no crescimento e desenvolvimento, anormalidades anatômicas e debilidade neurológica.
As primeiras experiências com videolaparoscopia no tratamento da DRGE em crianças começaram em 1992 e desde 1997 a fundoplicatura passou a ser o procedimento laparoscópico avançado mais comumente realizado pelos cirurgiões pediátricos.6,9,10
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é analisar os resultados reportados na literatura mundial quanto à morbi-mortalidade e o custo hospitalar, no tratamento da doença do refluxo gastroesofágico em crianças, com aplicação das técnicas cirúrgicas por vídeo e convencional.
MATERIAIS E MÉTODOS
Realizou-se uma revisão de literatura, utilizando como fonte de pesquisa os bancos de dados Medline e Lilacs. As palavras de busca aplicadas foram gastroesophageal reflux, surgery e children, tendo sido encontrados 1278 títulos publicados entre os anos de 1980 e 2004.
Foram incluídos os artigos que abordavam o tratamento cirúrgico videolaparoscópico da doença do refluxo gastroesofágico em crianças, preferencialmente os comparativos com a cirurgia aberta, publicados a partir de 1992, restritos aos idiomas português, inglês e espanhol. Foram excluídos aqueles que relatavam outro tipo de cirurgia videolaparoscópica e que referiam adultos como pacientes. Não houve restrição quanto à técnica cirúrgica aplicada para a correção da DRGE.
Os artigos foram analisados quanto ao tipo de estudo, característica dos pacientes, sintomas prévios, indicação cirúrgica, métodos de avaliação pré-operatória, técnica cirúrgica aplicada, complicações intra-operatórias, tempo operatório e de hospitalização, custos hospitalares, complicações e avaliação pós-operatória e tempo de acompanhamento dos pacientes.
RESULTADOS
Características dos Artigos
De acordo com os critérios de inclusão já descritos, 17 artigos foram selecionados para esta revisão, sendo que em 11 foram descritas apenas as características da cirurgia por vídeo (artigos em descrição de série)6-9, 11-17 e nos outros 6 houve comparação das técnicas cirúrgicas por vídeo e aberta (artigos comparativos)18-23. Dos estudos em descrição de série, 8 foram retrospectivos6-9,11-14 e 3 prospectivos15-17, sendo 1 deles um estudo multicêntrico16. Os comparativos dividiram-se em 5 retrospectivos18-22 e apenas 1 prospectivo não randomizado23.
Características dos Pacientes
Nos artigos em descrição de série, o total de pacientes variou entre 58 e 28913. Nos artigos comparativos a variação foi entre 3022 e 12221, sendo a videocirurgia realizada em no mínimo 15 e no máximo em 61 crianças.
Avaliando todos os artigos de acordo com o sexo, o total de meninos em que foi realizada a cirurgia aberta variou entre 722 e 3621, e o total por vídeo ficou entre 48 e 986. O número de meninas submetidas à cirurgia aberta ficou na faixa de 822 a 2918, e o de operadas por vídeo foi de 18 a 6911.
A idade mínima relatada pelos autores foi de 2 semanas19, a máxima de 21 anos7, sendo que e a idade média variou entre 7 meses9 e 12 anos15.
O menor peso descrito foi de 1,8 Kg19, o maior foi de 80 Kg23 sendo a variação média entre 4,79 e 2823 Kg. No estudo de Blewett et al20 foi relatado que as crianças de maior peso foram submetidas à laparoscopia (p<0,03), mas este dado não interferiu no tempo de hospitalização nem no custo hospitalar.
Crianças com debilidade neurológica foram incluídas em alguns estudos, com o número mínimo de 109 e o máximo de 11311. Os artigos comparativos mostram divisão dos pacientes neurológicos de forma equilibrada entre os dois grupos18, 20-22 e a maioria dos autores não selecionou pacientes com essa deficiência para realizar a cirurgia8,12,15,17,19,23. Também foram descritas outras condições associadas aos pacientes que participaram dos estudos, como outras anomalias neurológicas e hérnia hiatal9,16.
Sintomatologia Prévia
Os sinais e sintomas relacionados ao trato gastrointestinal, chamados de sintomas típicos, mais comumente relatados nos artigos foram náuseas, vômitos, regurgitação, pirose e epigastralgia (Tabela-1). Em relação ao trato respiratório ou sintomas atípicos, foram citados tosse, pneumonia, bronquite ou asma recorrente e aspirações (Tabela-2).
Indicação Cirúrgica
De acordo com esta revisão, os critérios usados pelos autores para indicar a cirurgia nos pacientes com DRGE foram: manutenção do RGE após terapêutica inicial medicamentosa, debilidade neurológica, presença de problemas respiratórios deficiência nutricional e esofagite (Tabela-3).
O estudo de Graziano et al22 descreveu como indicação cirúrgica aqueles pacientes que tiveram recorrência do refluxo após uma fundoplicatura prévia.
Avaliação Pré-operatória
Os exames mais solicitados para confirmar a presença do RGE foram a pHmetria6,8,9,11-17,19,22,23, o estudo radiológico do esôfago contrastado com bário6,11,13,14,16,17,19,22,23, a endoscopia9,12-16,23 e a manometria6,8,9,13,14,17,23. Em menor número, foi citado trânsito esofagogastricoduodenal12,16, esofagograma9, fibroscopia6,16, ecografia14, avaliação com Tc 99m6 e biópsia de esôfago17.
Técnica Cirúrgica
Nos estudos em descrição de série, as técnicas de Nissen e Toupet foram as mais relatadas. Em seqüência, apareceram as técnicas de Nissen-Rosetti, Lotart-Jacob, Boix-Ochoa e Thal (Tabela-4). Nos artigos comparativos a fundoplicatura de Nissen foi a mais utilizada, tanto para a cirurgia aberta quanto por vídeo, seguida por Rosetti modificada. Nesses estudos apareceram ainda as técnicas de Thal, realizada apenas pela forma convencional, e de Toupet, feita apenas por vídeo (Tabela-5).
Allal et al6 descreveram que realizaram as primeiras cirurgias laparoscópicas pela técnica de Nissen, respeitando a curva de aprendizado dos cirurgiões, em seguida partindo para a técnica de Toupet. Depois da curva de aprendizado de 60 casos, os autores indicaram a fundoplicatura de Nissen para todos os pacientes, pois pareceu ser tão bem tolerada quanto a de Toupet e mais efetiva em longo prazo. Diego et al8 optaram pela técnica de Nissen em pacientes a partir de 16 anos e pela de Boix-Ochoa nas crianças menores que 16 anos e sintomatologia do RGE persistente desde a época de lactentes. Já Esposito et al9 escolheram o tipo de técnica de acordo com a indicação cirúrgica, e não pela idade, sendo que em casos de dismotilidade ou em bebês já operados ao nascimento de atresia esofágica a técnica de Toupet foi preferível. De acordo com Meehan et al11 a fundoplicatura de Nissen foi selecionada para pacientes com RGE associado a risco de vida ou incapazes de proteger as vias aéreas superiores e a de Toupet naqueles com dismotilidade esofágica ou com alto risco de formação de gases intestinais. Esposito et al13 relataram que tanto a técnica de Toupet quanto a de Nissen-Rossetti são igualmente eficazes no tratamento do RGE. Montinaro et al17 mostraram, em resultados preliminares, que a técnica de Lortat-Jacob não provocou disfagia nos seus pacientes e que todos os sintomas de RGE desaparecerem após a cirurgia.
Foi relatada a associação da gastrostomia à cirurgia do RGE em alguns artigos, principalmente nos pacientes com incapacidade de nutrição oral adequada11,14, episódio prévio de aspiração11, comprometimento pulmonar6, debilidade neurológica6,7,11,12,16 ou se a gastrostomia já estivesse previamente instalada10,13.
Duração da Cirurgia
O tempo médio descrito para a cirurgia aberta variou entre 91.019 a 140.621 minutos e na cirurgia por vídeo, entre 70.013 e 164.821 minutos. Apenas Somme et al mostraram, em um dos artigos comparativos analisados, significância estatística deste dado (p<0.05)19 (Tabelas-6 e 7).
Complicações Intra-operatórias
Quando realizada a cirurgia aberta, foram descritas complicações como sangramento na dissecção hiatal e dos vasos para-hiatais. Nos relatos da cirurgia por vídeo foram citadas como complicações a perfuração pleural, perfuração da válvula, perfuração esofágica, perfuração gástrica, perfuração pericárdica, lesão do nervo vago, hipercapenia, sangramento na dissecção hiatal e dos vasos para-hiatais (Tabela-8).
Mattioli et al23 foram os únicos a descrever as complicações intra-operatórias comparando as técnicas cirúrgicas, mostrando que o número de pacientes com sangramento na dissecção hiatal é menor no grupo exposto à cirurgia por vídeo do que na aberta (1 e 4 pacientes respectivamente).
A necessidade de conversão da cirurgia por vídeo para a aberta foi relatada em 6 estudos. As causas citadas para a conversão foram inadequada visualização da anatomia gastroesofágica devido a idade do paciente6, problemas de hemostasia nos vasos diafragmáticos e esplênicos6,12, perfuração esofágica11, material inadequado para o tamanho do paciente12 e a presença de uma hérnia hiatal muito grande9. Nos casos da reoperação por vídeo, as complicações descritas foram aderência entre estômago e fígado, aderência na junção gastroesofágica impedindo a visualização da válvula e esofagotomia durante a dissecção da válvula.22
Avaliação Pós-operatória
Os autores relataram que a avaliação pós-operatória foi realizada com pHmetria7,8,9,15,23, estudo radiológico do esôfago contrastado com bário6,7,23, endoscopia7,9,23, manometria8,9, esofagograma9 ou apenas com a consulta clínica6.
Complicações Pós-operatórias
Na cirurgia aberta, as complicações pós-operatórias descritas foram recorrência do refluxo, disfagia, náusea, gases intestinais, abscesso intra-abdominal e pneumonia.
Na cirurgia por vídeo, foram relatados problemas como recorrência do RGE, disfagia, evisceração epiplóica, náusea, constricção esofágica, migração intratorácica da válvula, infecção do trato respiratório, empachamento, epigastralgia, aerofagia, pneumotórax, constricção da válvula, hérnia de hiato, hemorragia intestinal, hemoperitônio, infecção do sítio do trocater e peritonite. (Tabelas-9 e 10)
Apenas Somme et al19 mostraram significância estatística na recorrência do RGE comparando os dois tipos de cirurgia, sendo maior na cirurgia aberta (p<0,05).19
Meehan et al11 mostraram que as complicações associadas a fundoplicatura de Nissen foram disfagia, recorrência do refluxo, aerofagia, hérnia hiatal e perfuração esofágica e que as relacionadas à técnica de Toupet foram pneumotórax, aerofagia e disfagia, sendo que apenas a disfagia foi mais freqüente na técnica de Nissen.
Foi descrita a necessidade de realizar uma nova cirurgia para correção do RGE, após a videolaparoscopia por alguns autores com a variação entre 0,6_11,1%9,11,13,14,16. O estudo de Graziano et al22, referente apenas aos casos em que houve recorrência do RGE após uma fundoplicatura prévia, mostrou que a taxa de falha da videolaparoscopia foi de 8,7%, enquanto que a da cirurgia aberta foi de 12%. Neste mesmo estudo foi descrito o tempo necessário para realizar a nova cirurgia, mostrando um intervalo de 32 meses para a cirurgia aberta e 11 meses para a videocirurgia (p=0,01). Ainda neste estudo foram relatados mecanismos de falha que levaram a necessidade de uma nova intervenção cirúrgica, como a hérnia da válvula, deiscência da sutura, válvula perdida e aderência. Problemas como válvula curta e constricção da junção gastroesofágica foram relatados apenas na cirurgia por vídeo enquanto que o deslizamento da válvula ocorreu exclusivamente na cirurgia aberta.
Características da Hospitalização
A maioria dos artigos em descrição de série mostrou um tempo de hospitalização médio de 3 dias6,9,13,17, variando entre 215 e 5.714. Em relação aos artigos comparativos, todos aqueles que comparam o tempo das cirurgias aberta e por vídeo mostraram uma duração menor da hospitalização naqueles pacientes em que foi realizada a videocirurgia, sendo todos os casos com significância estatística (p<0.05)18,20,21,23 (Tabela-11).
O início da alimentação variou entre 111,13, 211,17 ou 511 dias pós-operatórios nos artigos em descrição de série. Quando comparadas as cirurgias aberta e por vídeo, o início da alimentação foi relatado mais precoce nos pacientes submetidos à videocirurgia (mínimo de 18 horas23 e máximo de 2.4 dias22 na laparoscopia versus mínimo de 321 e máximo de 4.78 dias na aberta18), com significância estatística (p<0,05)18,19,21,23 (Tabela-12).
No estudo de Powers et al21 foi descrito, com significância estatística (p<0,05), que os pacientes submetidos a cirurgia por vídeo tiveram um maior índice de extubação e menor tempo de recuperação na sala operatória, menos necessidade de transferência para a UTI e menor tempo de a fisioterapia torácica.
Mattioli et al23 demonstraram que a dose de analgésico necessária para aliviar a dor é menor nos pacientes que passaram pela videolaparoscopia (p<0,05).23
Blewett et al 20 foram os únicos que fizeram uma comparação entre os custos das cirurgias aberta e por vídeo, mostrando que os custos operatórios, em dólares, foram menores na cirurgia aberta (2,153.67 versus 2,611.46, sem significância estatística), mas que o custo total do hospital foi menor quando realizada a cirurgia por vídeo (2,484.21 versus 5,129.18 com p<0.006). De acordo com os autores, fatores como o momento de realização da cirurgia (de acordo com a curva de aprendizado do cirurgião) e o tempo de permanência na UTI afetaram o custo hospitalar total (p=0.0001).
Mortalidade
Em alguns dos artigos em descrição de série foi relatado o acontecimento de óbitos, em média 1 caso6,11,14, embora outros desses artigos tenham descrito mortalidade zero9,13,15. Powers et al foram os únicos que mostraram a comparação do número de óbitos entre as técnicas aberta e por vídeo, sendo apenas uma morte em cada tipo cirúrgico realizado.18
Follow-up
Os artigos em descrição de série relataram um tempo médio de acompanhamento dos pacientes entre 617 e 367,14 meses. Bourne et al7 continuaram fazendo o acompanhamento das crianças, pós-correção do RGE por vídeo, durante um período longo (entre 2 e 5 anos) e mostraram que a maioria dos pacientes estava assintomática (66%), que em 92% dos casos houve satisfação dos pais em relação à saúde do filho e que 9 de 13 pacientes precisaram usar anti-ácidos para melhorar os sintomas do RGE.
DISCUSSÃO
No adulto, o principal fator condicionante do RGE é a hipopressão do esfíncter esofágico inferior. Nas crianças, apenas 50% apresentam essa mesma alteração e são outros fatores como a longitude do esôfago intra-abdominal, o ângulo de His e a maturação da peristalse esofágica que estão relacionados com o aparecimento do RGE. Como muitos desses fatores modificam-se durante os primeiros anos de vida a maioria dos pacientes pediátricos com refluxo tem resolução espontânea até dois anos de idade.8,10,16 Recentemente a conduta expectante durante esse período tem mudado pois foi observado que diferentemente da população adulta, na qual o RGE é geralmente auto-limitado, as comorbidades associadas ao RGE nas crianças levam a um maior número de hospitalizações e complicações.12,20 A pHmetria é o exame padrão-ouro no diagnóstico do RGE, independente da idade do paciente, embora outros exames também possam ser utilizados para complementar a investigação.16
A cirurgia para o tratamento do RGE está entre os procedimentos abdominais mais comuns e desde a introdução da laparoscopia, a fundoplicatura por vídeo tornou-se o tratamento de escolha para o RGE em adultos.7,12,13 A videocirurgia em pediatria é um avanço recente, com os primeiros resultados promissores no tratamento do RGE relatados na década de 90.11
Em 1992, no Primeiro Encontro Internacional de Cirurgias Endoscópicas em Crianças, em Berlin, apenas dois autores apresentaram mais que dez casos de fundoplicatura laparoscópica e mesmo assim a conversão para a cirurgia aberta foi necessária em três casos devido a perfuração esofágica, o que despertou dúvida sobre a segurança dessa nova técnica. Dois anos depois, um autor apresentou sua experiência com 90 casos, sem maiores complicações e desde então o uso da videolaparoscopia passou a ser aceito, ainda que controverso.24 Muitos estudos mostram que a fundoplicatura por vídeo pode ser realizada com segurança em crianças e neonatos com os resultados comparáveis aos da cirurgia convencional, com acompanhamento em curto prazo.6,10,12,14,17,20
A revisão de Collins et al18 mostrou que quando comparadas as duas técnicas houve semelhança em relação a eficácia e taxa de complicação, mas que a diferença apareceu em relação ao tempo de hospitalização e tolerância a alimentação melhor no grupo da cirurgia por vídeo. Powers et al21 repetiram os resultados da literatura, mostrando que o retorno mais rápido do funcionamento gastrointestinal e o menor tempo de hospitalização estão associados com a fundoplicatura de Nissen por vídeo.
A técnica cirúrgica mais utilizada é a fundoplicatura de Nissen. Segundo Diego et al8, a técnica de Nissen apresentou uma taxa de recorrência de 15% em 10 anos e pode acompanhar-se de disfagia, aerofagia e raramente oclusão intestinal por bridas. Os mesmo autores relataram que outros tipos de fundoplicatura incompleta parecem ter um índice de recorrência do RGE similar a Nissen e apresentam menor grau de sintomatologia durante o pós-operatório imediato. Menon et al15 sugeriram que a manometria intra-operatória pode ajudar a padronizar o calibre da válvula na fundoplicatura de Nissen e conseqüentemente diminuir a disfagia.
O RGE é uma patologia comum nas crianças com debilidade neurológica e a conduta nesses pacientes é muito controversa, mas a laparoscopia diminuiu a morbidade quando comparada com a laparotomia podendo ser considerada o padrão ouro para esses casos.6,15 A gastrostomia está freqüentemente associada a laparoscopia nesses pacientes e pode ser considerada como uma solução para evitar a migração da válvula, mas deve ser cuidadosamente manuseada para evitar novas complicações.6,14
Foi mostrado em algumas das publicações que o tempo de cirurgia por vídeo diminui significativamente com a curva de aprendizado e com a experiência do cirurgião.6,13,14 Relatou-se também a importância do cirurgião adotar na laparoscopia o mesmo procedimento que costumava realizar na laparotomia para evitar complicações associadas à falta de técnica do profissional.14 Uma sugestão feita por Esposito et al13 para reduzir as complicações foi respeitar o seguinte guideline: realizar cada fase da dissecção dos vasos sempre sob guia visual e ter certeza de estar no plano anatômico correto, evitar o uso de coagulação monopolar perto da parede esofágica, dissecar ambas cruras antes de começar a dissecção posterior do esôfago, identificar o nervo vago e deixá-lo perto da parede posterior do esôfago.
A falha após a fundoplicatura de Nissen por via aberta nas crianças ocorre por quatro mecanismos principais: válvula mal colocada, ruptura da válvula, herniação da válvula e uma válvula muito apertada ou muito comprida. Os mecanismo de falha após a laparoscopia ainda não foram bem estudados, mas parecem estar relacionados com herniação transdiafragmática da válvula, deiscência parcial da válvula, válvula curta ou que permita o refluxo, perda da válvula, estreitamento da junção gastroesofágica e aderências causando sintomas obstrutivos.22
Sendo a DRGE uma patologia comum entre as crianças e seu tratamento cirúrgico necessário em alguns casos, faz-se indispensável uma revisão deste tema para comparar as técnicas cirúrgicas aberta e por vídeo no tratamento anti-refluxo.
De acordo com a revisão realizada, a fundoplicatura por via laparoscópica em crianças mostrou bons resultados, com baixa morbidade e mortalidade, vantagens cosméticas e conforto pós-operatório, embora ainda seja pequena a quantidade de artigos comparando as técnicas cirúrgicas aberta e por vídeo de forma prospectiva, com limitada significância estatística desses dados.
O tempo de internação mostrou-se menor quando aplicada a cirurgia por vídeo e isso pareceu determinar um custo hospitalar total também menor, mas é necessário que novos estudos venham confirmar esse fato.
CONCLUSÕES
A partir dos dados analisados sugere-se que a videocirurgia para correção do RGE pode ser considerada como uma opção segura, eficaz e econômica. Os pacientes submetidos a cirurgia de correção do REG tem menores complicações quando utilizada a videocirurgia e a maioria deles evolui assintomática. A mortalidade parece não ter diferença em relação à técnica escolhida. A análise dos custos hospitalares ainda é limitada devido a pouca informação disponível, embora inicialmente mostre uma redução dos custos hospitalares com a utilização da videocirurgia. Ainda assim, é necessário que mais estudos comparativos e prospectivos sejam realizados para então padronizar esta técnica como primeira opção no tratamento cirúrgico de crianças com doença do refluxo gastroesofágico.
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