Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 3 Vol.3  Nº 2 - Abr/Jun 2005

<<  Arquivo PDF  >>


Torção de Ovário Bilateral Assincrônica: Relato de Caso

Asynchronous Bilateral OvarianTorsion: Case Report

Paschoal Napolitano Neto, Antonio Paulo Durante, Ricardo Abussanra Issas, Darcyane de Assis Cavalcante


Hospital Professor Edmundo Vasconcelos, São Paulo, SP, Brasil



INTRODUÇÃO: A torção de ovário é condição em que a maioria dos cirurgiões realiza ooforectomia. Esta solução se torna mais difícil quando ocorre torção do ovário contralateral após algum tempo (torção de ovário bilateral assincrônica).
   OBJETIVO: Relatar um caso de torção de ovário bilateral assincrônico atendido a tempo de preservar o ovário remanescente, por videolaparoscopia.
   RELATO DE CASO: Menina de oito anos de idade com episódio de abdome agudo e submetida à laparoscopia diagnóstica quando foi realizada a salpingo-ooforectomia devido à torção do ovário e anexos direitos ENCONTRADA. Após três meses, apresentou novo episódio de abdome agudo, sendo diagnosticada torção do ovário esquerdo remanescente e ENTÃO realizada nova laparoscopia quando se perpetrou a distorção do ovário e trompa, que foram fixados.
   CONCLUSÃO: Os autores destacam a importância do diagnóstico precoce, da videolaparoscopia e da fixação do ovário contralateral no primeiro episódio de torção ovariana.

Palavras-chave: ovário, laparoscopia, ovariectomia, torção.

INTRODUCTION: In an ovarian torsion condition, most of surgeons performe a total ooforectomy that solve patient's problems. But, this condition becames more difficult when it is following the torsion of the other ovary that occurred few months ago.
   OBJECT: to report a case of an asynchronous bilateral ovarian torsion, carried out in time to prevent lesion of the remanescent ovary, made by videoendoscopic surgery.
   Case Report: an eight years old girl with acute abdominal sindrome, had been submeted on a video endoscopic diagnosys of the abdomen and performed an ooforectomy to treat the right ovarian and salpings torsion with three days of evolution. After three months she presented a new crises of an acute abdominal syndrome and the ultrasound showed the torsion of the remanescent left ovary. The autors performed another videolaparoscopy with the left ovarian and salpings distorsion and fixed then at he muscle's lateral wall.
   CONCLUSION: the authors emphasizes how important is the early diagnosys: the videoendoscopic procedures and the fixation of the opposite ovary just in the first time of an ovarian torsion.

Key words: ovarian, laparoscopy, ovariectomy, torsion.


NAPOLITANO NETO P. , DURANTE A.P., ISSAS R.A., CAVALCANTE D.A. Torção de Ovário Bilateral Assincrônica: Relato de Caso. Rev bras videocir 2005;3(2):66-69.

Recebido em 10/07/2005

                                                              


Aceito em 01/09/2005




A

torção de ovário deve ser considerada no diagnóstico diferencial do abdome agudo, especialmente quando a dor está localizada nos quadrantes inferiores1,2.
   A torção de ovário bilateral foi primeiramente descrita por Warneck em 1895 3. É condição rara, mas que pode levar a conseqüências graves como a infertilidade, podendo ser sincrônica, quando os ovários apresentam a torção simultaneamente, ou assincrônica, quando as glândulas torcem em ocasiões distintas.
   Tradicionalmente, o tratamento de escolha da torção de ovário é a ressecção cirúrgica4. Crianças que tiveram torção de ovário unilateral apresentam um risco aumentado de repetir o evento no ovário contralateral5.
   O objetivo da apresentação do caso é enfatizar a necessidade de fixação do ovário contralateral no primeiro episódio de torção de ovário.

Pacientes e MÉtodos

    Em fevereiro de 2004, uma menina com oito anos de idade deu entrada no Pronto Socorro com forte dor abdominal em fossa ilíaca direita e hipogástrio, referindo que a dor, inicialmente intermitente há dois dias, foi se tornando mais intensa e contínua no segundo dia. Estava afebril e o exame físico abdominal apresentava reação peritoneal. O hemograma demonstrou leucocitose com desvio à esquerda e a ultra-sonografia evidenciou um tumor de grandes dimensões que ocupava a pelve, de textura heterogênea comprimindo a bexiga, não deixando evidenciar o ovário direito. Realizada tomografia computadorizada que confirmou os dados do exame anterior e colhidas amostras para marcadores tumorais.
   Realizada videolaparoscopia diagnóstica que confirmou quadro de torção de anexos direitos, com necrose de ovário e trompa (Figura-1). Optou-se pela ressecção vídeo-assistida através de pequena incisão (Pfannestiel), após ligadura dos vasos e trompa por videolaparoscopia, utilizando-se clips de 5 milímetros (Ethicon® AL 110). Na ocasião visualizou-se o ovário esquerdo que se apresentava normal e bem posicionado.

 

Figura 1 - Torção de anexos direitos.



   Três meses após, a paciente procurou novamente o Pronto Socorro com dor abdominal súbita em fossa ilíaca esquerda e hipogástrio há 6 horas, de forte intensidade, com descompressão brusca dolorosa, preferindo permanecer sentada do que em decúbito dorsal horizontal. A ultra-sonografia revelou ovário esquerdo aumentado de tamanho com fluxo sanguíneo presente ao Doppler.
   Realizada nova videolaparoscopia de urgência, utilizando-se as mesmas incisões dos portais da cirurgia anterior, diagnosticando-se a torção de anexos esquerdos (Figura-2). Manipuladas cuidadosamente as estruturas e, com certa facilidade, realizada a distorção do ovário e da trompa, que readquiriram coloração avermelhada em minutos, demonstrando retorno do fluxo sanguíneo. Frente ao quadro exposto, optou-se pela fixação das estruturas na arcada inguinal esquerda, com pontos de Ethibond 2-0, tanto da tuba quanto do ovário esquerdo.
   A paciente recebeu alta no segundo dia de pós-operatório com regressão total dos sintomas.

 

Figura 2 - Torção de anexos esquerdos.



DiscussÃo

    A torção de ovário tem incidência de 3% na população geral6. O diagnóstico geralmente é retardado, por sintomas inespecíficos, sendo incluído no diagnóstico diferencial de abdome agudo na criança e no adulto1,2. Neste relato, a paciente apresentava, no primeiro episódio, quadro doloroso abdominal há mais de 48 horas e já havia passado por outro serviço, sendo medicada com analgésicos e anti-espasmódicos, que mascararam o quadro .
   A ultrassonografia é o método mais eficaz na confirmação diagnóstica e, quando utilizado o Doppler, pode demonstrar torção do pedículo vascular7,8. No primeiro episódio do caso apresentado, a ultrassonografia demonstrou efeito de massa no quadrante inferior direito, sem fluxo sanguíneo, sugerindo processo tumoral, o que foi confirmado pela tomografia computadorizada. Já no segundo evento, foi possível evidenciar fluxo vascular no ovário remanescente torcido, o que motivou a intervenção de urgência.
   O diagnóstico precoce e o tratamento laparoscópico são recomendados na suspeita de torção ovariana, principalmente para salvar o ovário e a tuba uterina9,10.
   Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico da torção de ovário tem sido a ooforectomia4. As principais razões para essa conduta são que o ovário de aspecto necrótico poderia liberar fenômeno embólico após a distorção; poderia ser sede de tumor, ou se deixaria tecido necrótico abandonado na cavidade peritoneal11,12. No entanto, alguns autores não levam em consideração esses fatores de risco, preconizando a distorção13,14.
   O tratamento cirúrgico é postergado quando há suspeita de processo tumoral, como ocorreu na primeira internação. A incidência anual de neoplasia de ovário é de 2,6 casos para cada 100.000 mulheres por ano. A maioria dos tumores é benigna, sendo que corresponde a apenas 1% dos cânceres na infância15.
   Na última década, a videolaparoscopia representou uma evolução na tática cirúrgica, promovendo tratamento minimamente invasivo, e proporcionando breve recuperação dos pacientes. O tamanho do ovário entumecido, sua cápsula friável e a incerteza do correto diagnóstico, levam a cuidados extras como necessidade de incisão maior no momento da retirada da glândula da cavidade. Quando não não se dispõe de "endo-bags" para manter o ovário isolado na cavidade principalmente em aspecto sugestivo de tumor, o melhor é converter a cirurgia para a técnica aberta e não correr o risco de rotura da cápsula de um tumor maligno e sua disseminação.
   Na primeira cirurgia ficou evidente que, após a ligadura da tuba uterina, o melhor era realizar uma incisão maior e retirar o tumor íntegro da cavidade, mesmo com o aspecto de grande infarto hemorrágico da glândula. Já na segunda cirurgia, observou-se facilidade ao se desfazer a torção e, em alguns minutos, constatou-se a recuperação do fluxo sanguíneo, o que motivou a conduta conservadora, mantendo o ovário e o fixando para não torcer novamente.
   O risco de torção assincrônica é desconhecido. Beaunover e col16 observaram incidência de 11,4% de 76 torções de ovário.
   A fixação do ovário é procedimento simples, de fácil realização, podendo prevenir o risco de torção do ovário contralateral17,18.
   A ooforopexia do ovário contralateral não é procedimento suficientemente difundido na literatura19. Não existem estudos analisando o impacto da pexia sobre a fertilidade20,21 entretanto a perda bilateral do ovário é uma causa real e indiscutível de infertilidade.

ConclusÃo

    Os autores destacam a importância do diagnóstico precoce e, pela observância deste caso, acreditam que a ooforopexia do ovário contralateral deva ser considerada em casos de torção unilateral de ovário.

Referências Bibliográficas

1. McCollough M, Sharieff GQ. Abdominal surgical emergencies in infants and young children. Emerg Med Clin North Am 2003; 21: 909-35.
2. Houry D, Abbott JT. Ovarian torsion: a fifteen-yeaar review. Ann Emerg Med 2001; 38: 156.
3. Warneck L. Trois cas de tumeurs des trompes compliquées de la torsion du pédicule. N Arch Obstet Gynec 1895; 10:81.
4. Aziz D, Davis V, Allen L, Langer JC. Ovarian torsion in children: is oophorectomy necessary: J Pediatr Surg 2004; 39: 750-3.
5. Abes M, Sarihan H. Oophoropexy in children with ovarian torsion. Eur J Pediatr Surg 2004; 14: 168-71.
6. Hibbard LT. Adnexal torsion. Am J Obstet Gynecol 1985; 152:456-61.
7. Varras M. et al. Utherine Adnexal Torsion: Pathologic and Gray-scale Ultrasonografic findings. Clin Exp Obstet Gynecol. 2004; 31(1):34-8.
8. Viajaraghavan SB. Sonographic whirlpool sign in ovarian torsion. J Ultrasound Med 2004; 23: 1643-9.
9. Cohen SB, Oelsner G, Siedman DS, et al. Laparoscopic detorsion allows sparing of the twisted ischemic adnexa. J Am Assoc Gynecol Laparosc 1999; 6: 139.
10. Krissi H. et al. Fallopian Tube Torsion: Laparoscopic evaluation and treatment of a rare gynecological entity. JABFP. 2001 Jul-Aug; 14(4):274-7.
11. Nichols DH, Julian PJ. Torsion of the adnexa. Clin Obstet Gynecol 1985: 28: 375-80.
12. Kokoska ER, Keller MS, Weber TR. Acute ovarian torsion in children. Am J Surg 2000; 180: 462-5.
13. Dolgin SE, Lublin M. Shlasko E. Maximizing ovarian salvage when treating idiopathic adnexal torsion. J Pediatr Surg 2000; 35: 624-6.
14. Dolgin SE. Acute ovarian torsion in children. Am J Surg 2002; 183: 95.
15. Skinner MA, Schlatter MG, Heifetz SA et al. Ovarian neoplasm in children. Arch Surg 1993; 128:848-54.
16. Beaunoyer M, Chapdelaine J, Bouchard S, Ouimet A. Asynchronous bilateral ovarian torsion. J Pediatr Surg 2004; 39: 746-9.
17. Eckler K, Laufer M, Perlman SE. Conservative management of bilateral asynchronous adnexal torsion with necrosis in prepubescent girl. J Pediatr Surg 2000; 35: 1248-51.
18. Oelsner G, Bider G, Goldenberg M et al. Long term of the twisted ischemic adnexa managed by detorsion. Fertil Steril 1993; 60: 976-9.
19. Sharma B. et al. Isolated Torsion of the Fallopian Tube: Two case reports.J Obstet Gynecol. 2003 May; 23 (30 329-30.
20. Davis AJ, Feins NR. Subsequent asynchronous torsion of normal adnexa in children. J Pediatr Surg 1990; 25:687-9.
21. Özcan C, Çelik A, Özok G et al. Adnexal torsion in children may have a catastrophic sequel: assinchronous bilateral torsion. J Pediatr Surg 2000; 37: 1617-9.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Paschoal Napolitano Neto
Av. Pedroso de Moraes, n. 240, cj. 121
Telefone: (11) 3812 - 4684
E-mail: drjacare@uol.com.br