Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de Videocirurgia

ISSN: 1679-1796
ANO 2 Vol.2  Nº 4 - Out/Dez 2004

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Cicatrização da Miotomia Esofagiana por Acesso Videolaparoscópico Com e Sem Plicatura Gástrica Associada, em Porcos

Wound Healing of Laparoscopic Oesophageal Myotomy With and Without an Added Gastric Patch, in Pigs

João Luiz Moreira Coutinho Azevedo, Fábio Okutani Kozu, Albino Augusto Sorbello, Otávio Azevedo, Francisco Julimar Correia de Menezes


Trabalho realizado no Laboratório do Setor de Videocirurgia da Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental (TOCE), Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Programa de Pós-Graduação em Cirurgia e Experimentação



OBJETIVO: Comparar a cicatrização da miotomia esofagiana laparoscópica associada ou não à plicatura gástrica. MATERIAL E MÉTODOS: Foram utilizados doze porcos, em dois grupos de seis animais. No grupo A foi realizada miotomia esofagiana. No grupo B agregou-se plicatura gástrica à região da miotomia (RM). No 21° dia pós-operatório houve sacrifício do animal e moldagem do lume esofagiano para determinação do índice de estenose (IE) na RM. Foram também estudados aspectos macroscópicos da cicatrização. Foi feita biópsia da parede esofagiana na RM. RESULTADOS: Duração cirúrgica maior no grupo B (93,6 minutos) que no grupo A (45 minutos). Considerando-se o IE dos grupos A e B, não houve estenose e eles se equivaleram (-11.1% no grupo A e -12.7% no grupo B). Houve regularidade da cicatrização da RM do grupo A e deformidades com inflamação aguda persistente e granulomas no grupo B. No grupo A houve epitelização mesotelial da superfície cruenta da RM e no grupo B esta permaneceu granulada. Na RM do grupo B os elementos da inflamação foram mais numerosos que no grupo A: média de 22 leucócitos versus 8,6; de 18,7 vasos neoformados versus 9,7; e de 25,85 fibras colágenas versus 15,6. CONCLUSÕES: A plicatura gástrica sobre a miotomia esofagiana propicia cicatrização menos adequada e a intervenção é mais demorada que a miotomia isolada. Com ou sem plicatura gástrica associada, a continuidade da musculatura esofagiana não se refaz após miotomia e o lume esofagiano é ampliado na região da incisão.

Palavras-chave: Videocirurgia; Laparoscopia; Técnicas operatórias; Acalasia esofagiana; Miotomia de Heller; Fundocardioplastia de Dor; Miotomia esofagiana; Cirurgia experimental; Cirurgia minimamente invasiva; Cirurgia endoscópica.

AIMS: The purpose of this research is to compare the wound healing of the laparoscopic esophageal myotomy with and without a gastric patch. METHODS AND MATHERIAL: Twelve male pigs were distributed into two groups of six animals. Esophageal myotomy was performed in group A. A gastric patch was associated to esophageal myotomy in group B. On the 21st postoperative day, lumen molding was accomplished to determine the index of stenosis (IS) at the area of myotomy (AM). Macroscopic and microscopic aspects of wound healing were also studied at AM. Three microscopic morphologic patterns were defined for morphometric evaluation: leucocytes (constituted by polymorphonuclear and mononuclear cells), de novo formed vessels and intercellular substance (collagen fibers). RESULTS: There was a longer operative duration in group B (93. 6") than in group A (45"). At AM, IS was negative (lumen increased) and equivalent in both groups: -11.1% in group A and -12.7% in group B. Mesotelial epithelium covering RM was observed in group A. Inflammatory reaction was greater in group B in comparison with group A (leucocytes: 22 cells versus 8.6; fibrosis: 25.5 fibers versus 15.6; granulation tissue: 18.7 vessels versus 9.7). CONCLUSIONS: Esophageal myotomy followed by gastric patch does not heal adequately and is worsened by the presence of foreign body granulomas around stitches. Myotomy without gastric patch is faster and causes lower inflammation. Myotomy alone or with gastric patch do not lead to esophageal stenosis at RM and do not lead to restoration of the esophageal musculature continuity.

Key words: Laparoscopy; Laparoscopic, surgery; Surgery, operative; Esophageal achalasia; Laparoscopic Heller myotomy; Dor's Fundoplication; Esophagomyotomy; Cirurgia experimental; Surgery, minimally invasive; Surgery, endoscopic.


Azevedo JLMC, Kozu FO, Sorbello AA , Azevedo O, Menezes FJC. Cicatrização da Miotomia Esofagiana por Acesso Videolaparoscópico Com e Sem Plicatura Gástrica Associada, em Porcos. Rev bras videocir 2004;2(4):177-183.

Recebido em 09/11/2004

                                                              


Aceito em 20/11/2004




A

recomendação da associação de plicatura gástrica sobre a zona cruenta da miotomia esofagiana reporta-se à cirurgia convencional1. Nesse universo alega-se que, além de prevenir o refluxo gastresofagiano iatrogênico, o fundo gástrico plicado sobre a zona cruenta _ tamponando perfurações inadvertidas do esôfago e interpondo-se entre as bordas da ferida, evitaria fatores determinantes da recidiva da acalasia. Um destes fatores - a estenose, poderia se seguir à fibrose periesofagiana, induzida por escapes do conteúdo visceral oriundos de eventuais minúsculas perfurações iatrogênicas de mucosa esofagiana passadas despercebidas2,3; o outro fator _ a reconstituição do mecanismo esfinctérico intrínseco esofageano inferior, conseqüente à coaptação entre si das bordas da musculatura esofagiana dividida na miotomia2,3. Também no âmbito da cirurgia videolaparoscópica adotam-se esses argumentos, entre outros, para justificar a aposição de plicatura gástrica à miotomia4.
   Por outro lado, há autores que postulam ser deletéria a plicatura do fundo gástrico sobre a miotomia, pois isso dificultaria a reabsorção do exsudato inflamatório, cuja permanência conduziria ao aumento da fibrose na região5,6. Caso expostas em peritônio livre, essas coleções seriam prontamente absorvidas, propiciando epitelização da zona cruenta por células mesoteliais do líquido peritoneal5,6. Também a magnificação do campo operatório videocirúrgico poderia evidenciar microperfurações iatrogênicas que _ identificadas mediante teste de injeção de azul de metileno e gás, não teriam como passar despercebidas5,6. Adicionalmente, o tônus da camada circular da musculatura esofagiana seccionada tenderia a condicionar o afastamento, uma da outra, das bordas da miotomia, de forma a não haver risco de sua coaptação5,6.
   A hipótese aqui testada é a de que a superfície cruenta resultante da miotomia esofagiana laparoscópica, permanecendo exposta na técnica sem válvula associada, é epitelizada por células mesoteliais livres no líquido peritoneal, resultando em excelente reparo da miotomia, com manutenção adequada do afastamento das bordas musculares secionadas no procedimento.

MATERIAIS E MÉTODOS

    Foram utilizados 12 porcos machos da raça Landrace, com peso corpóreo entre 15 a 20kg, distribuídos aleatoriamente em grupo A (miotomia isolada) e grupo B (miotomia associada a plicatura gástrica).
   Os animais foram operados sob anestesia inalatória, intubados e colocados sob pressão positiva intermitente Para a indução anestésica, os animais receberam 12 mg/kg de thiopental intravenoso. A anestesia foi mantida com isoflorane a 2% em vaporização e citrato de fentanila 0,005 mg/kg em infusão intravenosa. No pós-operatório imediato receberam cetoprofeno por via intravenosa na dose de 2mg/kg.
   O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa experimental da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/EPM.
   O acesso operatório utilizado foi o videolaparoscópico em todos os animais, através de cinco portais, em posição usual para o acesso à junção esôfago-gástrica.
   Após abertura do ligamento gastrofrênico e demarcação a bisturi elétrico da localização da miotomia, incisou-se a face anterior do esôfago numa extensão de 5cm acima do esfíncter inferior, interessando as túnicas musculares.
   Nos animais do grupo B foi interposto um segmento da parede anterior do fundo gástrico, plicado sobre a superfície cruenta da miotomia e fixado às bordas da musculatura esofagiana seccionada mediante seis pontos simples de Poliéster 3-0, sendo três em cada borda da miotomia. Naqueles do grupo A foi dispensado este reparo.
   A eutanásia ocorreu no 21o dia pós-operatório sendo realizado exame macroscópico seguido de retirada do segmento esofagiano de 20 cm de comprimento, abrangendo a região da miotomia (RM), moldado mediante injeção (no lume da víscera) de 60 ml de solução de hidrocolóide irreversível, composta de diatomita, alginato de potássio, sulfato de cálcio, carbonato de magnésio e corantes. O molde foi retirado do lume esofágico, após endurecimento, para a determinação dos índices de estenose (IE) da RM, sendo mensurados os perímetros externos do molde ao nível de RM (A), das regiões correspondentes a 2cm craniais (B) e a 2cm caudais (C) em relação às extremidades longitudinais da miotomia. Destas três medidas foi obtido o IE, segundo a fórmula (McADAMS7): IE=100 (1_2A/B+C).
   Foram retiradas amostras da parede esofagiana na RM para exame histopatológico. As lâminas foram coradas pelos métodos Hematoxilina-Eosina e tricrômico de Masson. Três padrões morfológicos microscópicos foram definidos para fins de avaliação morfométrica: leucócitos (constituído por células polimorfonucleadas e células mononucleadas), vasos neoformados e substância intercelular (fibras colágenas).
   Fixou-se em 5% (p = 0,05) o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se com um asterisco os valores significantes. Empregou-se os métodos estatísticos constantes nas legendas das tabelas.

RESULTADOS

   Os animais de ambos os grupos não apresentaram sinais de dificuldade evidente na deglutição dos alimentos ou qualquer outro sinal clínico que pudesse levar a acreditar que os mesmos tivessem alguma alteração do trânsito do bolo alimentar pelo esôfago.
   A média de duração das intervenções operatórias no grupo com miotomia isolada (grupo A) foi significantemente menor (45 minutos) que no grupo B (93 minutos) que recebeu plicatura gástrica associada (Tabela 1).
 

Tabela 1 - Duração em minutos das intervenções operatórias dos grupos A e B.

Grupo A Grupo B
60 80
50 140
50 75
50 77
25 90
35 100
45 93,67
Teste t para grupos independentes

(Grupo A x Grupo B)

Tempo das intervenções operatórias em minutos

t calc.= 43,3* (P<0,05)

tcrít.=0,08

B>A


 


   O aspecto macroscópico na região da miotomia nos animais do grupo A era regular e evidenciava ausência de fibrose detectável a olho nu (Figura 1), enquanto que nos animais do grupo B notava-se fibrose profusa (Figura 2).

 

Figura 1 - Fotografia da região miotomizada - setas (grupo A), constatando-se depressão acentuada no local da incisão cirúrgica do esôfago, com superfície regular e de aspecto nacarado.



 

Figura 2 - Fotografia de plicatura gástrica sobre a região da miotomia (grupo B), evidenciando fios de sutura (setas pontilhadas) e profusa fibrose envolvendo a transição esôfago-gástrica (setas contínuas).



   No estudo histológico qualitativo dos animais do grupo A, notou-se processo inflamatório discreto e ausência da túnica muscular do esôfago na região da miotomia. A camada muscular do esôfago foi substituída por tecido de reparação, recoberto por células mesoteliais de revestimento (Figura 3).

 

Figura 3 - Fotomicrografia de aspecto histológico da superfície da miotomia em animal do grupo A, evidenciando recobrimento completo da zona cruenta por células mesoteliais. (HE _ 120 x)



   Nos animais do grupo B foi encontrado, na microscopia, intenso infiltrado linfoplasmocitário no local da miotomia, com tecido de granulação rico em capilares, leucócitos (linfócitos, neutrófilos), plasmócitos, macrófagos e fibras colágenas, não se notando epitelização por células mesoteliais (Figura 4). Em muitas preparações histológicas dos animais deste grupo, granulomas de corpo estranho circundando fios de sutura puderam ser observados.

 

Figura 4 - Fotomicrografia de aspecto histológico da superfície da miotomia em animal do grupo B, evidenciando tecido de granulação e com ausência de epitelização mesotelial. (HE _ 120 x)



   A análise estatística demonstrou que os elementos da inflamação considerados no estudo morfométrico (leucócitos, vasos neoformados e fibras colágenas) foram significantemente mais numerosos (Gráfico 1) após miotomia com plicatura gástrica (grupo B) que com a miotomia isolada (grupo A).

 

Teste t de Student

(Grupo A x Grupo B)

t crítico=204

Leucócitos Vasos F. Colágenas
t calc.=13,35*  t calc.=13,72* t calc.=9,30*
(p<0,05) (p<0,05) (p<0,05)
B>A B>A B>A
Gráfico 1- Representação gráfica do número dos elementos da inflamação contados em 20 lâminas de cada grupo, com as respectivas médias e desvios-padrão, sendo os elementos contados no grupo com plicatura gástrica (grupo B) significantemente mais numerosos que os do grupo com miotomia isolada (grupo A). O asterisco (*) assinala o t calculado (t calc.) para uma probabilidade de 5% (P<0,05) de que as diferenças encontradas (B>A) entre os grupos em relação contagem dos elementos da inflamação terem sido devidas ao acaso.



   Os índices de estenose na região da miotomia (IE) foram sempre negativos e estatisticamente equivalentes entre os grupos estudados (Tabela 2), indicando que houve aumento idêntico da amplitude do lume do esôfago tanto na região onde foi realizada a miotomia isolada quanto na região da miotomia com adição da plicatura gástrica.

Tabela 2 - Índices de estenose na região da miotomia (IE) dos grupos A e B.

   GRUPO A
IE
GRUPO B
IE
  - 4,76 - 6,74
  - 5,31 -13,20
  -11,76 -12,22
  -18,96 -28,57
  -14,28 - 8,10
  -11,60 - 4,76
Médias -11,1 -12,7

Teste t para grupos independentes

Grupo A x Grupo B

Tcalc. = 1,0 (P<0,05)

Tcrit. = 17,5

A = B


DISCUSSÃO

   A propósito da pertinência ou não da associação de procedimento anti-refluxo à miotomia esofagiana laparoscópica no tratamento da acalásia, há autores que julgam imprescindível a aposição de plicatura gástrica na superfície cruenta da miotomia8-17, enquanto outros entendem poder dispensar a associação de qualquer procedimento anti-refluxo à miotomia laparoscópica, em casos selecionados, com bons resultados18-22.
   A propósito deste tema, recente metanálise (LYASS23 e col., 2003) concluiu: "Baseados nos dados publicados, não podem ser feitas recomendações no sentido da adição de procedimento anti-refluxo à miotomia de Heller laparoscópica."
   Quanto à adequação que a plicatura gástrica associada à miotomia traria à cicatrização da região da miotomia, impedindo escapes e evitando coaptação das bordas da incisão muscular, a presente pesquisa pretendeu contribuir para o esclarecimento da forma mediante a qual o reparo da superfície cruenta da miotomia esofagiana se processa na presença de duas circunstâncias distintas: deixada livre na cavidade peritoneal ou recoberta por fundo gástrico plicado sobre ela, como na técnica de DOR1.
   Nesta pesquisa pretendeu-se testar a hipótese de que a superfície cruenta da miotomia esofagiana - deixada cicatrizar sem a interferência do fundo gástrico plicado sobre ela, tende a apresentar pequeno processo inflamatório e a receber a epitelização regular das células mesoteliais, oriundas da diferenciação e proliferação de células mesenquimais primitivas que existem livres no líquido peritoneal, conforme sói acontecer nas superfícies cruentas em geral banhadas por esse líquido.
   No sentido de elidir eventual interferência no processo cicatricial da parede esofagiana inferior induzida pelo refluxo gastroesofagiano que pode ocorrer após secção do esfíncter inferior do esôfago, optamos por poupá-lo. Dessa forma, praticamos a miotomia esofagiana mediante uma incisão longitudinal cuja extremidade caudal situava-se a três centímetros cranialmente à transição esôfago-gástrica.
   Há autores que referem recidiva da acalásia por causa da reconstituição do esfíncter inferior do esôfago em função da coaptação entre si das bordas da miotomia2,3. Entretanto, depreende-se da análise da casuística desses autores que não houve uma nítida diferenciação histopatológica entre o refazimento do esfíncter inferior do esôfago e a estenose por estreitamento extrínseco do esôfago distal, mercê de fibrose.
   A observação macroscópica e microscópica da região da miotomia dos animais operados nesta pesquisa mostrou que não houve reconstituição do esfíncter, em nenhum dos dois grupos, contrariando assim a opinião de alguns autores2,3.
   Nesta pesquisa, o índice de estenose (IE) representa o percentual de redução do lume esofágico. Quando o IE é igual a cem, equivale-se à estenose total, e quando igual a zero, significa não haver nenhuma estenose.
   Nessa ordem de idéias, pudemos constatar que todos os índices de estenose da região da miotomia nesta pesquisa foram negativos (Tabela 2), o que equivale a dizer que a miotomia propiciou um aumento do lume do órgão no local. Dessa forma, este experimento não sustentou a teoria do refazimento da continuidade da musculatura esofagiana após miotomia sem plicatura gástrica aposta. A razão desse fenômeno pode ser compreendida se atentarmos para o fato de que o componente circular da túnica muscular do esôfago, o mais interno, ao ser completamente seccionado na miotomia, tende - mercê do seu tônus natural - a afastar uma da outra as bordas da miotomia, dessa forma elidindo a sua coaptação. Foi constatada, ainda, a perfeita cicatrização da miotomia sem válvula (Figuras 1 e 3).
   Por outro lado, a miotomia com plicatura gástrica (grupo B) também não evidenciou estenose no local - IE negativo (Tabela 2).
   Tudo isso aponta para a conclusão de que os relatos dos autores2,3, que referem estenose esofagiana após miotomia, provavelmente dizem respeito a secções do esfíncter inferior do esôfago originariamente incompletas e não a uma coaptação entre si das bordas de uma miotomia completa.
   Não obstante, obviou-se nesta pesquisa que a adição do fundo gástrico plicado sobre a superfície cruenta produz processo inflamatório de grande magnitude e também maior quantidade de fibrose _ grupo B (Figura 2, Gráfico 1) do que o processo cicatricial resultante da miotomia isolada _ grupo A (Figura 1, Gráfico 1).
   Finalmente, mas não menos importante, ficou claramente evidenciado que a epitelização da zona cruenta da miotomia isolada se fez de forma regular e constante em todos os animais do grupo A. Isso significa que o processo cicatricial resultou numa reconstituição adequada da superfície esofagiana (Figura 1).
   É interessante observar que a recomendação de se apor serosa gástrica sobre a superfície cruenta da miotomia foi feita por autores2,3 sem que nenhuma pesquisa em animais de experimentação tivesse comprovado a hipótese do refazimento da continuidade da musculatura do esôfago inferior após miotomia caso a superfície cruenta seja deixada aberta. É óbvio que apenas a experimentação animal, ensejando a retirada do órgão em tempo oportuno para exame histopatológico completo e conclusivo, permitiria comprovar tal hipótese.
   Enfatize-se aqui que a presente pesquisa é a primeira experiência a ser feita com características tais que poderia ter surpreendido aspectos histopatológicos compatíveis com coaptação entre si das bordas musculares da miotomia. Entretanto, isso não ocorreu. Ao contrário, parece ter sido cabalmente demonstrado que a continuidade da musculatura esofagiana não se refaz após miotomia. Torna-se necessário rever o argumento antigo. Novas pesquisas nessa mesma direção serão bem-vindas. Quem sabe um mito tenha começado a ruir.

CONCLUSÃO

   Na miotomia associada a plicatura gástrica há prolongamento na duração de fenômenos inflamatórios agudos, o que não ocorre na miotomia isolada.
   A plicatura gástrica sobre a miotomia esofagiana propicia processo inflamatório crônico mais exuberante que o que ocorre na miotomia isolada.
   O processo inflamatório crônico da miotomia associada a plicatura gástrica é agravado pela presença de granulomas de corpo estranho em torno dos fios de sutura, o que não ocorre na miotomia isolada.
   A miotomia isolada apresenta epitelização mesotelial da superfície cruenta, o que não ocorre com a miotomia associada a plicatura gástrica.
   Não há reconstituição da continuidade da musculatura esofagiana na região da mitomia isolada nem na miotomia com segmento gástrico plicado sobre a superfície cruenta, no período observado.
   Tanto a miotomia isolada quanto a associada a plicatura gástrica determina aumento da amplitude do lume esofagiano ao nível da superfície cruenta.
   A duração das intervenções com miotomia associada é significantemente maior que a da miotomia isolada.


Agradecimentos

   Agradecemos o suporte financeiro que nos concedeu o Fundo de Auxílio aos Docentes e Alunos (FADA) da Universidade Federal de São Paulo _ Escola Paulista de Medicina e os equipamentos e materiais laparoscópicos que nos foram cedidos pela PCE _ Pró-Cirurgia Especializada Ltda.

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

João Luiz M. C. Azevedo
Universidade Federal de São Paulo - Setor de Videocirurgia - Prédio da Cirurgia Experimental
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Telfax: 11 5576-4272
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