Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 2 Vol.2 Nº 1 - Jan/Mar 2004<< Arquivo PDF >>
Avaliação da Histeroscopia como Método Diagnóstico de Alterações Endometriais em Pacientes sob Terapia Adjuvante com Tamoxifeno para Câncer de Mama*
Evaluate Hysteroscopy as a Diagnostic Method of Endometrial Alterations, in Patients under Auxiliary Therapy with Tamoxiphen for Breast Cancer*
Fernando de Araújo Medeiros1, Marcos Mendonça2
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais - Brasil
* Artigo baseado em tese, apresentada no Curso de Pós-graduação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção de Título de Mestre. Faculdade de Medicina da UFMG, 2003.
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a histeroscopia como método diagnóstico de alterações endometriais em pacientes sob terapia adjuvante com tamoxifeno para câncer de mama, comparando os achados histeroscópicos com o exame histológico (padrão ouro) da amostra obtida pela biópsia dirigida do endométrio. MÉTODOS: Foram estudadas 64 pacientes pré e pós-menopausadas, sob terapia adjuvante com tamoxifeno para câncer de mama, por meio da ultra-sonografia endovaginal e da histeroscopia diagnóstica associada à biópsia dirigida do endométrio, correlacionando os resultados de tais exames com o resultado anatomopatológico. Para validar os resultados dos exames calculamos a sensibilidade, especificidade, a acurácia, o valor preditivo positivo e valor preditivo negativo. E para avaliar a concordância da histeroscopia e da ultra-sonografia com os resultados anatomopatológicos foi utilizada a estatística de Kappa. RESULTADOS: A histeroscopia apresentou uma sensibilidade de 100%, especificidade de 86%, valor preditivo negativo de 100%, valor preditivo positivo de 77,8%, acurácia de 90,6% e Índice de Kappa de 0,80, o que representa uma concordância muito boa com o exame anatomopatológico. A ultra-sonografia apresentou alta taxa de falso-positivo, mesmo utilizando-se de vários pontos de corte na medida do endométrio. A alteração endometrial mais freqüentemente encontrada foi atrofia glandular cística do endométrio 31,2%, seguida de pólipos 26,6%, atrofia endometrial simples 23,5%, endométrio proliferativo 12,5%, hiperplasia simples 3,1% e miomas 3,1%. CONCLUSÕES: A histeroscopia demonstrou ser um método seguro, eficaz e adequado para avaliar e monitorizar o endométrio de pacientes acometidas pelo câncer de mama em uso de tamoxifeno, apresentando uma boa acurácia no diagnóstico de lesões endometriais.
Palavras-chave: HISTEROSCOPIA; TAMOXIFENO/efeitos adversos; ENDOMÉTRIO/lesões; ULTRA-SONOGRAFIA ENDOVAGINAL.
MEDEIROS FA, MENDONÇA M. Avaliação da Histeroscopia como Método Diagnóstico de Alterações Endometriais em Pacientes sob Terapia Adjuvante com Tamoxifeno para Câncer de Mama. Rev bras videocir 2004;2(1):5-13
câncer de mama é uma doença que acomete milhares de mulheres em todo o mundo, com uma grande repercussão em nível de saúde pública. É considerada a principal causa de mortalidade feminina por câncer no Brasil, o que é consistente com o padrão observado mundialmente. As taxas de incidência têm crescido constantemente e estima-se a ocorrência de 36.090 casos novos no Brasil no ano de 2002.1, 2
Aproximadamente 180.000 mulheres são acometidas pelo câncer de mama anualmente nos Estados Unidos. Segundo dados do National Cancer Institute / USA, o risco de desenvolver essa doença até os 85 anos é de aproximadamente 12,5% - ou seja, uma em cada oito mulheres, sendo o risco de morte pela mesma em torno de 3,4%.1
O tamoxifeno é uma droga de primeira linha na terapia endócrina adjuvante do câncer de mama em todos os seus estádios e largamente utilizada em vários países. Mais de 3 milhões de pacientes têm recebido regularmente o tratamento em todo o mundo. Trabalhos recentes indicam a sua eficácia também na quimioprevenção do câncer de mama em pacientes de risco, o que deve aumentar ainda mais o número usuárias.1, 3
Desde as publicações de KILLACKEY et al. (1985) e FORNANDER et al. (1989), relatando a associação do uso do tamoxifeno ao desenvolvimento do câncer de endométrio, muitos trabalhos sobre os efeitos adversos desse fármaco foram publicados. Diversos autores referem a influência do tamoxifeno na gênese de alterações endometriais, levando ao surgimento de lesões como pólipos, hiperplasias, miomas, sarcomas e adenocarcinoma de endomé-trio.4, 5
De acordo com vários trabalhos, o risco de câncer de endométrio é aumentado nas pacientes em uso de tamoxifeno, variando de 1,3 a 7,5 o risco relativo. Isso implica um grande número de mulheres expostas e a necessidade de estabelecer um método para avaliação e acompanhamento ginecológico dessas pacientes.6, 7
Até o momento, não está claro na literatura, qual seria o método mais adequado de controlar e monitorizar o endométrio das pacientes durante o uso do tamoxifeno. Vários protocolos têm sido sugeridos para identificar de forma pouco invasiva e precocemente as alterações endometriais, porém, com resultados conflitantes.3, 8, 9, 10
A ultra-sonografia endovaginal tem sido utilizada como um método eficaz de rastreamento do endométrio em circunstâncias especiais, através de sua medida, dessa forma, afastando lesões endometriais ou orientando para investigações mais profundas. Entretanto, tal método não tem sido amplamente aceito para avaliar e monitorizar o endométrio das pacientes em uso de tamoxifeno. Vários trabalhos têm demonstrado uma discordância entre os exames ultra-sonográficos e os resultados anatomopatológicos do endométrio.8
Imagens sonográficas bizarras são obser-vadas, apresentando-se como espessamento endometrial heterogêneo e irregular, algumas vezes, com áreas císticas sugerindo alterações endometriais como pólipos, hiperplasias e adenocarcinomas de endométrio e que muitas vezes não são confirmadas pelo exame anatomopatológico de espécimes obtidas por biópsia dirigida ou por peças cirúrgicas pós-histerectomia.11
Embora o tamoxifeno possa determinar uma ação proliferativa, resultados ultra-sonográficos sugestivos de espessamento endometrial podem ser interpretados erroneamente, elevando a taxa de "falsos-positivos" desse método. Com isso, podem levar um grande número de pacientes a serem submetidos a procedimentos invasivos desnecessários para se estabelecer o diagnóstico definitivo.5, 2
A biópsia endometrial realizada às cegas, que seria padrão ouro na investigação e monito-rização do endométrio, é considerada limitada por dificuldades técnicas. Portanto, sua realização não oferece uma boa relação custo/benefício para as pacientes.5
Por meio da histeroscopia, toda a cavidade endometrial pode ser avaliada e detalhes do endométrio são observados. A biópsia é dirigida e, inclusive, a microscopia de lesões ou áreas suspeitas pode ser realizada proporcionando aumento da acurácia e precisão no diagnóstico de condições patológicas focais ou difusas da cavidade endo-metrial. O procedimento é simples, de fácil execução, bem tolerado e com boa aceitabilidade pelas pacientes.2
Assim, a histeroscopia, ao permitir uma visão direta do endométrio, constitui-se em valioso método propedêutico para o acompanhamento das pacientes com risco de lesões endometriais.
Pretendemos, com este trabalho, avaliar a acurácia da histeroscopia em identificar, preco-cemente, possíveis lesões endometriais em pacientes sob terapia adjuvante com tamoxifeno. Acreditamos que esse método possa colaborar de forma decisiva no controle e monitorização dessas pacientes.
PACIENTES E MÉTODOS
Este é um estudo transversal e descritivo, em que foram selecionadas 68 pacientes sob terapia adjuvante com tamoxifeno para câncer de mama, admitidas no Serviço de Mastologia da Faculdade de Medicina da UFMG, no período de Fevereiro de 2000 a Novembro de 2002. Todas as pacientes responderam ao formulário de pesquisa e foram detalhadamente esclarecidas quanto aos procedimentos, bem como os objetivos do estudo, e obtido o consentimento pós-informado. O protocolo de pesquisa foi submetido à Comissão de Ética do Hospital das Clínicas da UFMG, sendo aprovado sem restrições.
Os critérios para inclusão no estudo foram: a) pacientes pré e pós-menopausadas, sob terapia adjuvante com tamoxifeno (20mg/dia) para câncer de mama, por um tempo superior a seis meses; b) pacientes com medida endometrial igual ou maior a 5mm, medida pela ultra-sonografia endovaginal; c) pacientes em amenorréia há pelo menos seis meses; d) pacientes que não estavam utilizando outros medicamentos, com efeitos sobre o endométrio; e) pacientes que estivessem de acordo e assinassem o termo de consentimento pós-informado. Os critérios de exclusão foram: a) pacientes portadoras de infecção pélvica; b) pacientes com sangramento uterino; c) pacientes com contra-indicação clínica para a realização dos procedimentos.
Das 68 pacientes selecionadas 4 foram excluídas. Entre as 64 pacientes estudadas, o tempo de uso do tamoxifeno variou de seis a 60 meses, com média de 22,6 meses e mediana de 21,5 meses. A idade variou de 33 a 85 anos com média de 56,8 anos e mediana de 53 anos. O índice de massa corpórea foi em média de 29,5 (Kg/m) e mediana de 30 (Kg/m). Cinqüenta por cento das pacientes apresentaram alguma afecção pregressa, sendo a maioria portadora de hipertensão arterial.
Após a avaliação clínica, as pacientes foram submetidas à ultra-sonografia endovaginal. Todos os exames foram realizados pela mesma equipe de ultra-sonografistas, com aparelho Sonoline SI 700, marca Simens, utilizando-se sonda endovaginal de 7,5 MHz. Avaliou-se a ecogenicidade do endométrio e sua espessura no eixo longitudinal do útero, na área mais espessa no diâmetro antero-posterior, incluindo-se as duas camadas endometriais. O endométrio foi considerado ecograficamente atípico quando se apresentava heterogêneo e irregular, com imagens císticas. As pacientes que apresentaram medida endometrial igual ou maior a 5mm foram selecionadas para a realização da histeroscopia e biópsia dirigida.
Todos os exames histeroscópicos foram realizados pelo mesmo médico, no bloco cirúrgico do Hospital das Clínicas da UFMG, utilizando-se o histeroscópio com ângulo óptico de 30º, marca Storz, com uma ótica de 250mm x 4mm, acoplado à camisa de 245 x 5mm. Utilizou-se um sistema de iluminação fonte externa de luz fria, com lâmpada halogênica de 250 W, conduzida por cabos de fibra ótica. A distensão da cavidade uterina foi obtida utilizando-se soro fisiológico, introduzido no útero sob pressão, com auxílio de um esfignomanômetro sob 80mmHg de pressão colocado em torno do frasco contendo o meio líquido, a um metro de altura do paciente. Foram avaliados, de forma sistemática, o canal cervical, a cavidade uterina, o aspecto endometrial e os óstios tubários. As imagens histeroscópicas foram visualizadas no monitor de vídeo de 19 polegadas. Após o término da histeroscopia, procedeu-se a realização de biópsia dirigida às áreas consideradas suspeitas de alterações e exérese de lesões identificadas. Para a realização da biópsia endometrial utilizou-se uma pinça com superfície cortante tipo saca-bocado, com 2 ou 3 mm de diâ-metro. No caso de lesões vegetantes ou tumorais, realizou-se exérese das mesmas por meio de dilatação e curetagem ou ressecção histeroscópica cirúrgica, sob anestesia peridural ou raquidiana.
A amostra endometrial obtida por biópsia era colocada em recipiente plástico contendo solução de formol a 10% e encaminhada ao Labora-tório de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da UFMG, para ser submetida a exame histológico.
Para a análise estatística utilizou-se o programa MINITAB for Windows versão 11. Calculou-se a sensibilidade especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e a acurácia para validar os resultados dos exames de histeroscopia e análise por meio de tabela binária ou 2 x 2, com intervalo de confiança de 95% das proporções obtidas no estudo. Utilizou-se o Teste Exato de Fisher para calcular o valor "p" - menor que 5% (0,05) é considerado significativo.
Para avaliar a concordância da histeroscopia e da ultra-sonografia com os resultados anato-mopatológicos, foi utilizada a estatística de Kappa.RESULTADOS
Utilizamos a técnica de regressão logística para avaliar o efeito do índice de massa corporal (IMC) e do tempo de uso do tamoxifeno, no resultado anatomopatológico. É possível verificar que não existe associação entre o IMC e o resultado anatomopatológico (p= 0,404). No entanto , pode-se observar que existe associação entre o tempo de uso do tamoxifeno e o resultado anatomopatológico ( p= 0,010 ).
O achado histeroscópico mais freqüente - 22/64 (34,4%), foi de um endométrio brilhante, edemaciado, atrófico e com várias vesículas localizadas ou difusas por toda a cavidade endometrial, sugestivo de alteração endometrial patológica, no entanto, compatível com o quadro de atrofia glandular cística que não representa alteração patológica ao estudo anatomopatológico.
Quanto aos achados dos exames histeroscópicos realizados nas 64 pacientes estudadas, foram encontrados endométrio com atrofia glandular cística em 22 (34,4%), pólipos em 17 (26,6%), endométrio com atrofia simples em 12 (18,7%), hiperplasia em 8 (12,5%), endométrio funcional proliferativo em 3 (4,7%) e mioma em 2 (3,1%) pacientes.
No estudo anatomopatológico das amostras obtidas pela biópsia dirigida, foram diagnosticados: atrofia glandular cística em 20 (31,2%) pacientes, pólipos em 17 (26,6%), atrofia endometrial simples em 15 (23,5%), endométrio funcional proliferativo em 8 (12,5%), hiperplasia em 2 (3,1%) e mioma submucoso em 2 (3,1%) pacientes (Tabela 1).
Tabela 1 - Distribuição dos diagnósticos obtidos pela histeroscopia e pelo estudo anatomopatológico.
Diagnóstico Histeroscopia Anatomopatológico n (%) n (%) AGC 22 34,4 20 31,2 Pólipos 17 26,6 17 26,6 Atrófico 12 18,7 15 23,5 Proliferativo 03 4,7 08 12,5 Hiperplasia 08 12,5 02 3,1 Mioma 02 3,1 02 3,2 Total 64 100 64 100
Três pacientes apresentaram estenose cervical acentuada e duas tiveram perfuração uterina como complicação da histeroscopia.
A medida do endométrio pela ultra-sonografia endovaginal variou de 5mm a 30,5mm, com uma média de 9,6mm e mediana de 7,9mm.
Avaliamos as medidas do endométrio obtidas pela ultra-sonografia endovaginal e comparamos com o resultado anatomopatológico. Com base nos resultados, podemos verificar que um bom ponto de corte para a medida do endométrio é superior a 8mm. Utilizando esse parâmetro, obteve-se sensibilidade de 76,2%, especificidade de 62,8%, valor preditivo positivo de 50%, valor preditivo negativo de 84,4%, acurácia de 71,9% e falso-positivo de 45,8% (Tabela 2).
Tabela 2 - Avaliação das medidas do endométrio obtidas pela ultra-sonografia e a comparação com o resultado anatomopatológico.
Medida do endométrio Sensibilidade Especificidade VPP VPN Acurácia Falso positivo 06 mm 100% 30,2% 41,2% 100% 53,1% 58,8% 07 mm 100% 52,3% 48,8% 100% 67,2% 51,2% 08 mm 76,2% 62,8% 50,0% 84,4% 67,2% 50,0% 09 mm 65,0% 75,0% 54,2% 82,5% 71,9% 45,8% 10 mm 57,1% 79,1% 57,1% 79,1% 71,9% 42,0%
Houve uma discrepância entre os achados ultra-sonográficos, histeroscópicos e histopatológicos na avaliação do endométrio das pacientes estudadas. Esta discrepância deveu-se a alterações císticas e edematosas do endométrio que sugerem doença. Porém, na verdade, constituem, ao exame anatomopatológico, em atrofia glandular cística (Gráficos 1 e 2).
Gráfico 1 - Comparativo da sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo, acurácia e falso-positivo da ultra-sonografia (utilizando-se o ponto de corte de 6mm na medida do endométrio) e da histeroscopia com relação ao exame anatomopatológico.
Gráfico 2 - Comparativo da sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo, acurácia e falso-positivo da ultra-sonografia (utilizando-se o ponto de corte de 10mm na medida do endométrio) e da histeroscopia com relação ao exame anatomopatológico.
Avaliamos a acurácia da histeroscopia para diagnosticar as alterações patológicas de forma geral e realizamos uma análise multivariada para as diversas alterações patológicas identificadas no estudo. Para verificar a concordância dos resultados da histeroscopia com o anatomo-patológico, foi utilizada a estatística de Kappa (Tabelas 3, 4 e 5).
Tabela 3 - Comparação entre a histeroscopia e o resultado anatomopatológico de acordo com a identificação de alterações.
Histeroscopia Anatomopatológico Total Anormal Normal Anormal 21 6 27 Normal 0 37 37 Total 21 43 64 Sensibilidade:m 100% (100% ; 100%) Especificidade: 86,0% (75,7% ; 96,4%) Valor de predição positiva: 77,8% (62,1% ; 93,5%)
Valor de predição negativa: 100,0% (100,0% ; 100,0%) Acurácia: 90,6% (83,5% ; 97,8%)
Estatística de Kappa (grau de concordância): 0,80 (0,65 ; 0,95) ® Concordância muito boa.
Tabela 4 - Índice de concordância de Kappa entre os resultados da histeroscopia e do exame anatomopatológico.
Histeroscopia Anatomopatológico Total
AGC Atrófico Pólipo Hiperplasia Proliferativo Mioma AGC 18 4 0 0 0 0 22 Atrófico 1 11 0 0 0 0 12 Pólipo 0 0 17 0 0 0 17 Hiperplasia 1 0 0 2 5 0 8 Proliferativo 0 0 0 0 3 0 3 Mioma 0 0 0 0 0 2 2 Total 20 15 17 2 8 2 64 Estatística de Kappa (grau de concordância): 0,77 (0,66 ; 0,89) ® Concordância boa.
Tabela 5 - Avaliação da histeroscopia nas diversas patologias.
Histeroscopia S E VPP VPN FP FN Acurácia Kappa Grau de Concord. Endométrio Atrófico 73,3% 90% 91,7% 92,3% 2,0% 26,7% 92,2% 0,77 Boa Endométrio Proliferat 37,5% 100% 100% 91,8% 0% 62,5% 92,2% 0,51 Moderada AGC 90% 90,9% 81,8% 95,2% 9,1% 10% 90,6% 0,79 Boa Pólipo 100% 100% 100% 100% 0% 0% 100% 1,0 Muito boa Mioma 100% 100% 100% 100% 0% 0% 100% 1,0 Muito boa Hiperplasia 100% 90,3% 25% 100% 9,7% 0% 90,6% 0,37 Fraca
DISCUSSÃO
A histeroscopia tornou-se parte imprescindível da propedêutica ginecológica. O método evoluiu, melhoraram os equipamentos, difundiu-se entre os ginecologistas e tornou-se acessível a todos os sistemas de saúde. O exame pode ser realizado em consultório ou ambulatório, não sendo necessário o uso de anestésicos e nem a internação hospitalar, o que permitiu a redução significativa dos custos operacionais e aumentou a aceitabilidade do método.
O exame histeroscópico tem apresentado uma acurácia bem superior aos outros métodos de avaliação da cavidade endometrial e com baixos índices de complicações. Segundo alguns autores, é o método de escolha para avaliação e monitorização do endométrio das pacientes em uso de tamoxifeno. Entretanto, poucos trabalhos têm avaliado especificamente a acurácia da histeroscopia nessa situação.13, 14
O tamoxifeno, embora apresente um efeito comprovadamente benéfico no tratamento adjuvante no câncer de mama, é uma droga que exerce uma ação direta sobre o endométrio, causando-lhe alterações específicas, por complexos mecanismos de ação que ainda não estão bem esclarecidos, podendo levar ao aumento de lesões patológicas como pólipos, miomas, adenomiose, hiperplasias e, principalmente, o câncer de endométrio. O risco dessas alterações endometriais torna necessário o controle e monitorização adequada dessas pacientes.5, 10, 12, 15
Alguns autores têm descrito alterações endometriais específicas nas pacientes em uso de tamoxifeno, sugerindo atividade endometrial ou alterações patológicas. Mas, ao estudo histológico, evidenciaram atrofia endometrial, ou melhor, atrofia glandular cística do endométrio.3, 11, 13, 16, 17, 18, 19 Coincidindo com tais autores, essa foi a alteração endometrial mais encontrada neste trabalho (31,2%). A histeroscopia apresentou-se com a imagem de um endométrio brilhante, edemaciado, atrófico, e com diversas vesículas espalhadas por toda a cavidade endometrial, ou localizadas em vários segmentos do endométrio. A maioria das pacientes deste estudo (67,2%) não apresentou alterações patológicas, sendo que em 31,2% as pacientes apresentaram atrofia glandular cística, em 23,5% endométrio atrófico e em 12,5% endométrio proliferativo.
Semelhantemente ao relatado por outros autores, neste trabalho não encontramos nenhum caso de câncer ou hiperplasia atípica, apesar do aumento no risco de desenvolvimento de lesões malignas e pré-malignas nessas pacientes, descritos em diversas publicações.4, 15, 16, 19 Talvez isso tenha ocorrido por não termos incluído no estudo as pacientes sintomáticas em que se encontra maior ocorrência dos casos, ou devido ao tamanho da amostra. De acordo com os dados da literatura, a possibilidade de ocorrer um caso de câncer em tais pacientes é de 2-3/1.000 pacientes. Portanto, seria necessária a realização de estudo com amostragem bem maior e multicênctrica.9, 17
Entre as alterações patológicas, os pólipos foram as lesões mais freqüentes (26,6%), com volumes variados, translúcidos, do tipo fibrocístico. Vários trabalhos têm relatado o encontro de pólipos como o achado mais freqüente entre essas pacientes, variando entre 10 a 30% das estudadas. Embora não tenhamos encontrado nenhum caso de atipia ou câncer nesses pólipos, alguns autores têm descrito a ocorrência de transformações malignas e, portanto, esses devem ser identificados e retirados.17
O tempo maior de uso do tamoxifeno tem sido correlacionado com o aparecimento de alterações endometriais patológicas, embora alguns autores não tenham encontrado uma correlação significativa.11 Neste estudo observou-se uma associação estatisticamente significativa (p=0,010) entre o tempo de uso do tamoxifeno e a presença de alterações patológicas no endométrio, confirmando a necessidade de acompanhamento adequado de tais pacientes ao longo da terapia com o tamoxifeno.
Observou-se, neste trabalho, uma discor-dância entre o diagnóstico histeroscópico e anatomopatológico da hiperplasia simples. No entanto, todos os casos identificados erroneamente pela histeroscopia, como hiperplasia simples, foram diagnosticados como endométrio proliferativo ao exame anatomopatológico, sendo que as pacientes eram pré-menopausadas. Segundo MENCAGLIA (1990), a hiperplasia simples apresenta uma imagem muito similar ao endométrio normal, com uma densidade e distribuição glandular normal quando examinada por magnificação macroscópica. O diagnóstico histeroscópico em tal situação é difícil e necessita de comprovação anatomopatológica. No entanto, quanto mais severa a lesão, maior a acurácia diagnóstica da histeroscopia e, em se tratando de hiperplasias mais severas, o diagnóstico histeroscópico se torna mais fácil. 20
A complicação mais freqüentemente descrita e relacionada à histeroscopia diagnóstica é a perfuração uterina que pode ocorrer em 1 a 3% dos casos.21, 22 Neste trabalho, tivemos dois casos (3%) de perfuração uterina. No entanto, tais perfurações ocorreram durante a realização de biópsia e não propriamente em decorrência da histeroscopia. Conforme já descrito por GERBER (2000), as características de um endométrio atrófico e edemaciado dessas pacientes, associadas à ansiedade do médico em obter material para amostra, favorecem o risco de perfuração uterina durante a biópsia. Os dois casos de perfuração ocorreram em pacientes pós-menopausadas que apresentavam estenose cervical intensa, sendo que uma delas já havia se submetido à cirurgia sobre o colo do útero. Embora algumas das pacientes tenham apresentado uma estenose cervical leve, a maioria dos exames foi realizada sem dificuldades ou intercorrências.
O papel da ultra-sonografia como método para avaliar e monitorizar o endométrio das pacientes em uso de tamoxifeno ainda não está bem estabelecido. Alguns autores questionam o valor da ultra-sonografia pela limitada capacidade de diagnosticar anormalidades específicas.23 Entretanto, vários trabalhos têm relatado que a ultra-sonografia endovaginal é um método apropriado como primeiro passo na avaliação e monitorização do endométrio dessas pacientes, na medida que, realizado de forma adequada e interpretado com cautela, pode identificar corretamente as pacientes que necessitam de avaliação histológica do endométrio.10, 23
A ultra-sonografia endovaginal apresentou uma alta taxa de falsos-positivos (62,7%) representada por um espessamento endometrial atípico, com imagens sonográficas bizarras e heterogêneas, que não se correlacionaram com os achados histeroscópicos e anatomopatológicos do endométrio. Utilizando um ponto de corte de 6mm no espessamento endometrial, para identificar lesões do endométrio neste estudo, a ultra-sonografia apresentou uma sensibilidade (100%), especificidade (30,2%), falso-positivo (58,8%) e baixa acurácia (53,1%) quando comparada com a histologia, que foi considerada padrão ouro. Vários autores têm relatado a baixa acurácia e as altas taxas de falsos-positivos da ultra-sonografia na avaliação do endométrio das pacientes em uso de tamoxifeno, variando entre 30 a 60% de falsos-positivos.11, 19, 24
Segundo BESE et al. (1996), FRANCHI et al. (1999), TESORO (1999), GERBER (2000) e STRAUSS (2000), utilizando-se pontos de corte mais elevados, em torno de 8 a 10 mm, na medida do espessamento endometrial, e uma avaliação ultra-sonográfica mais cautelosa, podem-se obter melhor sensibilidade e especificidade desse método. Em nosso trabalho, observamos que, utilizando ponto de corte de 8mm no espessamento endometrial, obteve-se uma sensibilidade de (62,8%) e especificidade (76,2%), melhorando significativamente a acurácia do método, porém, aquém dos valores obtidos pela histeroscopia.10, 14, 17, 22 & 11, 15, 18, 23
Com a histeroscopia, obtivemos uma sensibilidade de (100%), especificidade de (86%), e uma acurácia de (90,6%), no diagnóstico de alterações endometriais patológicas em relação à histologia. CELIS et al. (1997), TIMMERMAN (1998) e GONÇALVES et al. (1999), em trabalho similar, encontraram valores de sensibilidade (80 a 100%) e especificidade de (68 a 97%) semelhantes aos nossos resultados com a histeroscopia.12, 16, 25CONCLUSÃO
A facilidade, rapidez, segurança e aceitabilidade com que os exames foram conduzidos e a boa acurácia obtida por este método no nosso estudo, associados aos riscos de lesões endometriais a que tais pacientes estão expostas, nos levam a acreditar que a histeroscopia é o método mais adequado para avaliar e monitorizar o endométrio das pacientes em uso de tamoxifeno.
ABSTRACT
OBJECTIVE: Evaluate hysteroscopy as a diagnostic method of endometrial alterations, in patients under auxiliary therapy with tamoxiphen for breast cancer, comparing the histeroscopic discoveries with the histological exam (pattern gold) of the sample obtained by guided biopsy of the endometrium. METHODS: 64 patients were studied, before and after the menopause, under auxiliary therapy with tamoxiphen for breast cancer, through endovaginal ultrasonography and diagnostic hysteroscopy, associated to the guided biopsy of the endometrium, correlating the results of such tests with the anatomical-pathological result. To validate the results of the tests, the sensibility, specificity, accuracy, positive prognostic value, and negative prognostic value, were calculated. To evaluate hysteroscopy and ultrasonography correspondence with the anatomical-pathological results, Kappa's statistics was used. Results: hysteroscopy presented sensibility of 100%, specificity of 86%, negative prognostic value of 100%, positive prognostic value of 77,8%, accuracy of 90,6%, and Kappa Index of 0,80, representing a very good agreement with the anatomical-pathological exam. Ultrasonography presented high rates of false-positive, even using several points of cut in the endometrium. The alteration more frequently found it was the endometrium's cystic glandular atrophy (31,2%), followed by polyps (26,6%), simple endometrial atrophy (23,5%), proliferating endometrium (12,5%), simple hyperplasia (3,1%) and myomata (3,1%). CONCLUSIONS: Hysteroscopy demonstrated to be a safe, effective and appropriate method, to evaluate and to monitor the endometrium of patients with breast cancer, and using tamoxiphen. It presented a good accuracy in the diagnostic of endometrial lesions.
Keywords: HYSTEROSCOPY; TAMOXIPHEN/adverse effects; ENDOMETRIUM/lesions; ENDOVAGINAL ULTRASOOGRAPHY.
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FERNANDO DE ARAÚJO MEDEIROS
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(1) Mestre em Ginecologia e Obstetrícia.
(2) Professor Doutor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Recebido em 20/03/04
Aceito para publicação em 26/03/04