ANO 04 Nº 7 - Maio de 2001


COLANGIOGRAFIA INTRA-OPERATÓRIA: CUSTOS E TEMPO GASTOS NA SUA REALIZAÇÃO DURANTE A COLECISTECTOMIA LAPAROSCÓPICA

INTRA-OPERATIVE CHOLANGIOGRAPHY: COSTS AND WORN-OUT TIME IN ITS ACCOMPLISHMENT DURING LAPAROSCOPIC CHOLECYSTECTOMY


Cláudio Bresciani(1)

Joaquim Gama-Rodrigues(2)

Maurício Verroti(3)

Roger Coser(3)


INTRODUÇÃO

A colangiografia intra-operatória (CIO) é exame realizado durante a colecistectomia e que foi introduzido em 1937 por Mirizzi, na Argentina.
    Desde então as discussões sobre a validade da sua realização, tem sido acaloradas.
    Existem cirurgiões que a realizam de forma rotineira, outros de forma seletiva e alguns não a realizam jamais.
    As vantagens apontadas pelos que a defendem são: oferece um mapa da anatomia da árvore biliar, diagnostica a litíase coledociana, em especial a silenciosa, diagnostica a papilite, serve como poderoso registro da integridade das vias biliares extra-hepáticas, pode prevenir a lesão iatrogênica das vias biliares e diagnostica a eventual lesão já praticada (Berci, et al, 1991; Bresciani, et al, 1992).
    As desvantagens apontadas são: alonga o tempo cirúrgico, aumenta os custos, expõe a equipe médica e paramédica à irradiação ionizante e pode resultar em falso-positivo (Ladocsi, et al, 1997).
    O tempo cirúrgico mais longo tem nítida influência no custo global do tratamento uma vez que as instituições privadas do Brasil cobram por tempo de uso da sala cirúrgica e dos equipamentos utilizados.
    Nos EUA existem alguns estudos do custo deste exame, sendo que o valor obtido fica em torno de US$ 700 (Soper & Brunt, 1994; Ladocsi, et al, 1997). No nosso meio são escassos os estudos de custos na área médica, entretanto para a racionalização do tratamento e adequação à realidade econômica do país é importante mensurar estes valores.
    Como a CIO rotineira pode evitar lesões da via biliar principal e eventualmente o seu uso pode reverter-se em economia pois um único caso de lesão iatrogênica pode consumir U$ 100.000 (cem mil dólares americanos), segundo Soper & Brunt (1994), é importante conhecer-se em nosso meio o tempo que se gasta para realizar a CIO e seu custo.

OBJETIVOS

1. Mensurar o tempo gasto na realização da colangiografia intra-operatória em um hospital privado e em um hospital universitário
2. Verificar se há diferença no tempo gasto com o exame entre um hospital privado e um universitário.
3. Mensurar o custo da colangiografia intra-operatória em um hospital privado.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 42 pacientes submetidos à colecistectomia laparoscópica com colangiografia intra-operatória. 12 doentes foram operados no Hospital Alemão Osvaldo Cruz pelo 1º e 2º autores e o demais (30) foram operados por médicos-residentes de 4º ano, assistidos por um médico-assistente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    No primeiro hospital a CIO foi realizada com equipamento de radiologia que permite a obtenção de imagens em tempo real, isto é: arco em C e “fluoroscopia”. Esta aparelhagem permite a obtenção de imagens dinâmicas e a injeção de contraste de faz observando o fluxo do mesmo na via biliar. Já no Hospital das Clínicas as imagens obtidas são estáticas através de aparelho de radiologia convencional e a injeção de contraste se faz do modo convencional, isto é: injeta-se 3 ml de solução iodada e obtêm-se a primeira placa, aguarda-se 3 minutos e obtém-se a segunda placa e a 3ª é obtida com a infusão de aproximadamente 10 ml de solução de contraste. A primeira exposição objetiva avaliar a presença ou não de cálculos na via biliar principal, a segunda avalia o funcionamento da papila duodenal e a terceira a anatomia e integridade da árvore biliar intra e extra-hepática.
    O tempo gasto com a colangiografia foi medido em minutos e iniciou-se no momento em que era colocado o clipe metálico no infundíbulo da vesícula biliar, pois é este o momento em que a cirurgia toma um percurso necessariamente mais longo para permitir a obtenção das imagens. A contagem do tempo foi interrompida quando se introduziu o clipador na cavidade abdominal para selar o ducto cístico distalmente ao local da introdução do cateter para a realização da CIO.
    O tempo gasto com o exame foi estudado separadamente para cada hospital e também as duas instituições conjuntamente. Obteve-se o valor mínimo, o valor máximo, a média de tempo, a mediana, o desvio padrão, o erro padrão, o percentil 25% e o 75% para cada hospital e para o conjunto dos dois obteve-se a média, o desvio padrão e a mediana. Aplicou-se o teste de Mann-Whitney, que é uma prova não paramétrica, para a comparação das médias dos dois hospitais. A utilização deste teste deveu-se ao fato de não se ter segurança quanto à distribuição das amostras ser gaussiana ou não.
    O custo da colangiografia foi obtido somente no Hospital Alemão Osvaldo Cruz sendo considerado o valor final cobrado do pagador dos serviços hospitalares. A formação do preço incluiu os seguintes itens: tempo de sala operatória excedente, aluguel do aparelho de R-X, o cateter, duas seringas descartáveis e um frasco de contraste iodado. O custo do Hospital das Clínicas não foi mensurado pela impossibilidade de formação do preço de cada item devido à natureza fundamentalmente universitária do mesmo.

RESULTADOS

Foi mensurado o tempo decorrido com a CIO no Hospital das Clínicas em 30 pacientes. O tempo mínimo observado foi de 15 minutos e o máximo foi de 90 minutos. O Percentil 25% foi 25,5, a Mediana foi 28, o Percentil 75% foi de 32,5, a média observada foi de 31,43, o desvio padrão 15,76 e o erro padrão 2,877 (Tabela n.º 1).
    Já no Hospital Alemão Osvaldo Cruz estudou-se 12 doentes. O tempo mínimo cronometrado foi de 9 minutos e o máximo foi de 48 minutos. O Percentil 25% foi 11,5, a Mediana foi 15, o Percentil 75% foi de 18,5, a média observada foi de 18,5, o desvio padrão 11,56 e o erro padrão 3,336 (Tabela n.º 1). As médias obtidas no Hospital das Clínicas e Hospital Alemão Osvaldo Cruz submetidas à análise estatística através do Teste de Mann-Whitney (Teste não paramétrico, de distribuição não gaussiana) mostraram o valor 61,50, com p < 0,05. O que indica que a diferença observada nas médias de ambos hospitais são estatisticamente significantes.
    Quando se analisou os dois hospitais conjuntamente a média de tempo da CIO foi de 38 minutos (Desvio Padrão = 15,69) e mediana igual a 54 minutos.
    O custo do exame aferido no Hospital Alemão Osvaldo Cruz é o atual (Maio de 2000) e esta expresso na tabela n.º 2.

 

Resultados

Hospital
das Clínicas

Hospital A.
Osvaldo Cruz

Número de Valores
30
12
Valor Mínimo
15
9
Percentil 25%
25,5
11,5
Mediana
28
15
Percentil 75%
32,5
18,5
Valor Máximo
90
48
Média
31,43
18,50
Desvio Padrão
15,76
11,56
Erro Padrão
2,877
3,336
 
Teste de Mann-Whitney = 61,50 p<0,05 Significante

Tabela nº1 - Resultados do Estudo Estatístico do Tempo Gasto com a Realização da CIO em ambos os Hospitais Estudados



Item

Preço (R$)

Sala de Cirurgia 75,05
Aluguel do Aparelho de R-X 361,57
Cateter 17,15
Seringas Descartáveis 1,78
Contraste Iodado 10,74
 

Total

466,29

Tabela n.º 2 – Custo da CIO aferida no
Hospital Alemão Osvaldo Cruz


DISCUSSÃO

Ainda que o custo da CIO nos EUA fique em torno de US$ 700, aqui no nosso meio este exame é feito de forma significativamente mais econômica. O exame em uma instituição privada de custo elevado fica em R$466,29 (em torno de U$ 260). Isto é o exame nos EUA custa 2,7 vezes mais que no Brasil. A diferença é que todos os itens envolvidos na realização da CIO são mais altos naquele país como demonstra o estudo de Ladocsi et al (1997) (Tabela n.º 3).
    Como se observa da comparação destes valores expressos na tabela n.º 3 com os por nós obtidos (Tabela n.º 2), nota-se que não há no Brasil o custo de honorário do cirurgião e do radiologista e também que o custo do material é significativamente menor no nosso país.
    O tempo que a CIO consome é em média de 14 minutos em hospital americano (Ladocsi, et al, 1997, Wu et al, 1998) e no nosso estudo foi de 31,43 minutos no hospital universitário, de 18,5 no hospital privado e a casuística estudada conjuntamente mostrou média de tempo de 38 minutos. Estas médias são sempre superiores ao obtido no estudo de Ladocsi et al (1997), porém a nossa média em hospital privado é bastante próxima ao obtido em hospital da América do Norte.
    No Hospital das Clínicas é utilizado equipamento que só permite imagens estáticas e no Hospital Alemão Osvaldo Cruz o aparelho oferece imagens dinâmicas. O uso deste equipamento além de tornar o exame mais rápido oferece melhor resolução tornando a CIO mais precisa (Wu et al, 1998).
    O nosso grupo cirúrgico praticou mais de 1000 CIO nesta fase da Colecistectomia Vídeo-laparoscópica, o que representa um custo aproximado de R$466.290,00 (ou U$ 260,000). Não existem no nosso meio estudos do custos da lesão da via biliar principal, porém pode-se estimar que fique entre 40 e 50 mil dólares americanos, o que representaria de R$ 72.000,00 a R$ 90.000,00. Dever-se-ia pelo menos “economizar”, isto é, evitar 5 lesões de via biliar principal com o uso da CIO rotineira para empatar os custos. 5 casos de lesão de via biliar principal em 1000 significam uma taxa de 0,5%, na nossa casuística ela só ocorreu uma única vez no caso n.º 176 o significa um taxa de 0,1% e se considerarmos que pode ter ocorrida em decorrência do aprendizado e considerarmos somente a segunda metade da casuística ter-se-á uma taxa de 0%. Casuísticas internacionais de bons centros mostram taxas de lesão de via biliar principal significativamente maior (Tabela n.º 4).
    Estes resultados podem indicar que o uso rotineiro da CIO diminuiu as lesões da via biliar principal no nosso grupo, representando assim grande economia de recursos e de sofrimento e transtornos para um determinado número de doentes (Bresciani, 2000).
    Deste modo pela análise do tempo gasto com a CIO e seu custo, não se analisando aqui mais detalhadamente o aspecto da coledocolitíase assintomática, há forte sugestão de que muito embora haja um aumento do tempo cirúrgico em aproximadamente 18 minutos e um aumento, ao menos inicial, de custos (aproximadamente R$ 466, por exame) é a CIO rotineira indicada na colecistectomia laparoscópica por aumentar a segurança do ato operatório e por representar economia final por diminuição das lesões da via biliar principal.

 

Item

Custo (U$)

Aparelho R-X 263.66
Taxa do Cirurgião 248.00
Tempo de Sala Cirúrgica 140.00
Taxa do Radiologista 57.01
Cateter

15.92

Contraste Iodado 11.18
Capa da Cabeça do Aparelho de R-X 2.16
 

Total

737.93

Tabela n.º 3 Custo por CIO, segundo Ladocsi et al 
(1997)

   

Autor

Taxa de Lesão de
Via Biliar Principal

Cushieri et al, 1991 0,3%
Perissat et al, 1993 0,42%
Taylor et al, 1997 0,68%
Wright & Wellwood, 1998 0,25%
Sabharwal et al, 1998 0,5%
Bresciani et al, 2000 0,1%

Tabela n.º 4 – Taxa de Lesão da Via Biliar 
Principal Segundo Vários Autores

CONCLUSÕES

1. O tempo gasto na realização da colangiografia intra-operatória no hospital privado é de 18,5 minutos e no hospital universitário é de 31,43 minutos.
2. A diferença verificada entre o tempo das duas instituições é estatisticamente significativa.
3. O custo da colangiografia intra-operatória em um hospital privado é de R$ 466,29.



SUMMARY

The accomplishment of the intra-operative cholangiography has advantages (anatomy of the biliar tree, diagnoses choledocolithiasis, papilite, can prevent and it diagnoses the lesion of the biliar tract) and disadvantages (prolongates the surgical time, increases the costs, and it can result in false-positive). The longer surgical time and the own cost of the exam has clear influence in the global cost of the treatment.
    With the objective of measure the time spends in the accomplishment of the cholangiography, to verify if there is difference in the time spend with the exam between a private and an university hospital and measure the cost in a private hospital 42 patients were studied submitted to laparoscopic cholecystectomy.
    The time spends in the accomplishment of the intra-operative cholangiography in the private hospital is of 18,5 minutes and in the academical hospital it is of 31,43 minutes. The difference verified among the time of the two institutions is statistically significant. Conclusion: the cholangiography prolongs the surgical time in 38 minutes and it endears the procedure in R$ 466,29

Keywords: Cholecystectomy, Cholangiography, Laparoscopic surgery; Costs


REFERÊNCIAS

1. Berci, G.; Sackier, J. M.; Paz-Partlow, M. – Routine or Selected Intraoperative Cholangiography during Laparoscopic Cholecystectomy? The American Journal of Surgery 161:355-360, 1991.
2. Bresciani, C.; Gama-Rodrigues, J.; Araujo, S. E. A.; Simões, F. A. – Colangiografia Intra-operatória em Vídeo-laparoscopia. Experiência em 157 Casos. – In: Bresciani, C.; Gama-Rodrigues, J.; Habr-Gama, A.; Carrilho, F. J.; Lech, J. (Ed.) – Editora Particular. São Paulo, 1992, p 200-202.
3. Bresciani, C. – Colangiografia intra-operatória em colecistectomia videolaparoscópica: contribuição ao estudo das variações anatômicas e ao diagnóstico das doenças da via biliar principal. São Paulo, 2000. 155p. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4. Ladocsi, L. T.; Benitez, L. D.; Filippone, D. R.; Nance, F. C. – Intraoperative Cholangiography in Laparoscopic Cholecystectomy: A Review of 734 Consecutive Cases. The American Surgeon, 63: 150-156.
5. Soper, N. J. & Brunt, M. L. – The Case for Routine Cholangiography during Laparoscopic Cholecystectomy. Surg Clin North Am 74:953-953, 1994.
6. Wu, J. S.; Dunnegan, D. L.; Luttmann, D. R.; Soper, N. J. – The Evolution and Maturation fo Laparoscopic Cholecystectomy in an Academic Practice. J Am Coll Surg 186:554-561, 1998.

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Cláudio Bresciani
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(1) Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Cirurgião da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Cirurgião do Hospital Alemão Osvaldo Cruz (SP), Presidente da Sociedade Paulista de Videocirurgia no biênio 1999-2000.

(2) Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Chefe da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

(3)Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo