ANO 03 Nº 6 - Outubro de 2000


DIVERTÍCULO MÉDIO ESOFAGIANO
TRATAMENTO POR VIDEOTORACOSCOPIA

MIDESOPHAGEAL DIVERTICULUM TREATMENT BY VIDEOTHORACOSCOPY


Lutegarde Vieira de Freitas(1)

Célia Maria Gouveia de Freitas(2)

Luiz Antônio Vani Guerra(3)

Ângelo Knust Ramalho(4)

Danielle Corrêa dos Santos(4)

Luciana Angélica Damas Fernandes(4)


RESUMO

Os divertículos do esôfago são patologias freqüentes infreqüentes, sendo os mais comuns os de pulsão ou falsos.
    Os autores relatam o caso de uma paciente leucodérmica, de 51 anos, com disfagia progressiva, regurgitação freqüente e emagrecimento de 12 kg após o início dos sintomas. Foram realizados estudos com endoscopia digestiva, RX contrastado, manometria e pHmetria do esôfago, que demonstrou divertículo volumoso em 1|3 médio do órgão, sem doença de refluxo ou distúrbio motor associado. Foi realizado tratamento cirúrgico por videotoracoscopia sendo o divertículo ressecado utilizando-se grampeador endoscópico (Endo-Gia). A paciente apresentou boa evolução, obtendo alta hospitalar no 30 dia pós-operatório sem queixas à deglutição. O método toracoscópico se mostrou factível e eficiente no tratamento do divertículo sintomático do esôfago torácico, com mínima dor e morbidez pós-operatória. Deve ser considerado como uma alternativa para a tradicional toracotomia.

UNITERMOS: Divertículo Esofagiano; Videotoracoscopia

 

INTRODUÇÃO

Os divertículos do esôfago mais freqüentes são os localizados no terço proximal ou cervicais (faringo-esofagianos) e no terço inferior (epifrênicos). Ambos são considerados "Falsos" ou divertículos de PULSÃO e são causados por um aumento de pressão intra-esofagiana e estão comumente ligados a um distúrbio motor do esôfago 1,2. Os divertículos de terço médio são quase sempre pequenos e relacionados com adenomegalias pericarinais, são os "Verdadeiros" ou divertículos de TRAÇÃO e raramente apresentam sintomas.
    Na dependência do tamanho do divertículo e da concomitância de doença associada, podem causar disfagia, regurgitação, mau hálito, rouquidão ou pneumopatias, quando passam a ter indicação de ressecção cirúrgica 1.
    O diagnóstico é suspeitado pela história clínica e confirmado pelo exame radiológico contrastado e pela endoscopia digestiva alta. A manometria e a pHmetria do esôfago, são importantes no planejamento terapêutico 3.
    Para o tratamento cirúrgico dos divertículos do terço médio o acesso por toracotomia póstero-lateral direita, tem sido recomendado há longa data. Este acesso (toracotomia) é responsável por dor importante e outras complicações pós-operatórias.
    Com a evolução dos equipamentos de videocirurgia e a experiência do cirurgião em realizar procedimentos cirúrgicos mais complexos, tornou-se possível propor a ressecção dos divertículos do esôfago torácico por este método, com todas as vantagens da cirurgia minimamente invasiva, principalmente menos dor e uma recuperação mais precoce.
    Neste artigo os autores relatam um caso de divertículo sintomático do terço médio do esôfago, sem doença motora ou refluxo gastroesofagiano associado, tratado exclusivamente por videotoracoscopia. Objetivamos demonstrar ser este método exeqüível, evitando o trauma cirúrgico da toracotomia, proporcionando breve período de internação e rápido retorno às atividades físicas.

RELATO DO CASO

I.G.S., leucodérmica, feminina, 51 anos, apresentando disfagia há dois anos, inicialmente para sólidos e posteriormente para líquidos, com piora nos últimos dois meses. Relata também episódios de regurgitação freqüentes, perda ponderal de 12 kg. A endoscopia digestiva alta mostrou divertículo em terço médio do esôfago com restos alimentares e padrão mucoso do esôfago terminal normal. O exame radiológico contrastado confirmou o achado anterior sendo o seu diâmetro de cerca de 5 cm (figura 1). A manometria e pHmetria esofagianas foram normais.

Figura 1 - RX contrastado do esôfago



    O procedimento cirúrgico foi realizado exclusivamente por videotoracoscopia, com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Utilizamos quatro acessos no hemitórax direito: punções de 10mm nos 70 e 110 espaços intercostais, linha axilar média, de 5 mm no 80 espaço intercostal na linha hemiclavicular e outro de 5 mm no 100 espaço intercostal na linha axilar posterior.

Figura 2 - Posição das punções



    O paciente foi submetido à anestesia geral com entubação orotraqueal, sem ventilação seletiva. Após a primeira punção, insuflamos a cavidade pleural com gás carbônico (CO2), mantendo uma pressão de 8 mm de Hg. Localizamos o divertículo, que estava abaixo da croça da ázigos, a pleura mediastinal foi aberta e o esôfago torácico identificado, acima e abaixo da lesão. Após dissecção do divertículo e identificação de sua base, realizamos a sua ressecção, com grampeador endoscópico (Endo-GIA), introduzido no orifício da punção do 11° espaço. Foram necessárias duas cargas para grampeamento de todo o colo diverticular. Não se realizou sutura sobre a linha de grampeamento. A peça cirúrgica foi retirada pelo local do trocarte de 11° espaço intercostal. Optamos por deixar o hemitórax direito com drenagem fechada em selo d'água, que foi retirada 12 horas após. Paciente não apresentou intercorrências pós-operatórias, sendo iniciada dieta oral no 20 dia (após exame contrastado normal do esôfago), com mínima dor e sem queixas à deglutição. Alta hospitalar no 30 dia pós-operatório. O exame histopatológico confirmou divertículo de pulsão, caracterizado por herniação da mucosa e submucosa esofagiana. Ausência das camadas musculares próprias da parede e presença de esofagite inespecífica severa, crônica e aguda com hiperplasia epitelial no interior do divertículo.

Figura 3 - Peça cirúrgica


DISCUSSÃO

Os divertículos esofagianos são anormalidades adquiridas e podem ser de pulsão, quando há protrusão de mucosa através de um defeito na musculatura esofagiana por aumento da pressão intraluminal, ou de tração como conseqüência da ação de linfonodos parabrônquicos granulomatosos adjacentes e cronicamente inflamados, sendo formado por todas as camadas da parede do esôfago2. Estes últimos são normalmente pequenos e assintomáticos, localizados principalmente no terço médio do esôfago. Devem ser diferenciados do raro divertículo congênito do esôfago, do cisto enterógeno de duplicação ou de uma neoplasia com comunicação fistulosa para o lúmen esofagiano.
    Os divertículos de pulsão se localizam principalmente na junção faringoesofagiana e no esôfago torácico inferior (epifrênicos), porém, podem ocorrer, como no caso relatado, em qualquer segmento do esôfago2. Os primeiros são conseqüência da contração prematura do músculo cricofaríngeo, podendo causar disfagia, regurgitação e problemas respiratórios. São frequentemente sintomáticos e com indicação de tratamento cirúrgico. Os epifrênicos se localizam geralmente nos 10 cm distais do esôfago torácico inferior e estão frequentemente associados a distúrbios da motilidade ou refluxo gastroesofagiano1. Cerca de 15 a 20 % destas lesões tem sintomas definidos, podendo causar obstrução, retenção ou regurgitação esofagianas4. Raramente o divertículo é causa isolada dos sintomas1,3. Quando sintomáticos está indicado o tratamento cirúrgico. Habitualmente, este consiste de diverticulectomia, associado ou não a miotomia do esôfago5, através de laparotomia, se próximos da junção esôfagogástrica ou toracotomia esquerda, se mais altos. Está indicada cirurgia antirefluxo, quando este estiver presente2.
    A indicação cirúrgica se faz classicamente nos divertículos sintomáticos. A avaliação esofagiana deverá ser realizada por exame radiológico contrastado, endoscopia digestiva alta, manometria e pHmetria. Alguns autores, entretanto, devido ao alto risco de aspiração (45%) e complicações pulmonares graves (15%) indicam tratamento cirúrgico em todos os divertículos esofagianos torácicos, independente da presença ou não de sintomas6.
    Jordan7 em 1999, demonstrou num estudo com 25 pacientes portadores de divertículos epifrênicos, que nos casos assintomáticos não há indicação do tratamento cirúrgico, e que a regurgitação do conteúdo do divertículo, depende do volume deste e do gradiente de pressão entre o divertículo e o esôfago após as contrações peristálticas esofagianas. A altura do refluxo esofagiano e os sintomas decorrentes dependem destes fatores e da pressão do esfíncter esofagiano inferior. A miotomia está contra indicada quando existe refluxo gastroesofagiano ou pressão abaixo do normal no esfíncter esofagiano inferior.
    Myers8 em 1998, relatou a ressecção de três divertículos epifrênicos sintomáticos do esôfago por videolaparoscopia, sendo que em um dos casos foi necessária a associação com uma laparotomia mediana para realização do procedimento, evitando a clássica toracotomia esquerda. Os pacientes operados exclusivamente por videolaparoscopia obtiveram alta hospitalar no 20 dia pós-operatório e naquele com laparotomia associada no 70 dia.
    Ohgami 9 em 1994 relatou o caso de um paciente com divertículo epifrênico do esôfago, sintomático, com cerca de 8cm de diâmetro, tratado por videotoracoscopia, porém, após a ressecção com grampeador endoscópico (Endo-GIA) realizou uma sutura de reforço sobre a linha de grampeamento.
    O tratamento videotoracoscópico do divertículo epifrênico sintomático do esôfago se mostrou factível e seguro, com mínima dor pós-operatória, curto período de internação e baixa morbidez. O uso de endogrampeador evita a contaminação do mediastino com conteúdo esofagiano. Também, no caso relatado, a utilização de pneumotórax com CO2 facilitou o afastamento pulmonar proporcionando boa exposição do campo operatório.


ABSTRACT

Esophageal diverticulum are uncommom disorders. The pulsion pseudodiverticula is the most common of them. We report a case of a 51 year-old woman complaining of dysphagia, regurgitation and weigth loss of 12 kg in the last 2 years. The pacient had a diagnostic barium esophagogram, endoscopy and esophageal manometric study that showed a large midesophageal diverticulum, without hiatal hernia or motor disorder of the esophagus. The surgical procedure was performed through videothoracoscopy under general anesthesia, with left side univentilation. After being disected the diverticulum was resected using a endoscopic stapler (Endo-Gia). The postoperative course of the pacient was uneventful. The pacient started diet on the second day, and the symptoms had disappeared after surgery. She was discharged from hospital on the third day. Thoracoscopic repair of midesophageal diverticulum is a safe and effective technique with minimal postoperative pain and morbidity. It may be considered as a alternative to the traditional transthoracic approuch.

KEY WORDS: Esophageal diverticulum; Videothoracoscopy


REFERÊNCIAS

1. Debas, H.T.; Payne, W.S.; Cameron, A.J. et al.: Physiopathology of Lower Esophageal Diverticulum and Its Implications for Treatment. Surg Gynecol Obstet 1980 ; 151:593_600.
2. Benacci, J.C.; Deschamps, C.; Trastek, V.F. et al,: Epiphrenic diverticulum : Results of surgical treatment. Ann Thorac Surg 1993; 55(5):1067-8.
3. Castrucci, G.; Porziella, V.; Granone, P.L. et al.: Tailored surgery for esophageal body diverticula. Eur J Cardiothorac Surg 1998; 14(4):380-7.
4. Habein Jr, H.C.; Kirklin, J.W.; Clagett et al.: Surgical treatment of lower esophageal pulsion diverticula. Arch Surg 1956; 72:1018.
5. Hudspeth, D.A.; Thorne, M.T.; Conroy, R. et al.: Management of epiphrenic esophageal diverticula. A fifteen-year experience. Am Surg 1993; 59(1):40-2.
6. Altorki, N.K.; Sunagawa, M.; Skinner, D.B.: Thoracic esophageal diverticula. Why is operation necessary? J Thorac Cardiovasc Surg. 1993; 105(2):260-4.
7. Jordan Jr, P.H.; Kinner, B.M.: New look at epiphrenic diverticula. World J Surg 1999; 23(2):147-152.
8. Myers, B.S.; Dempsey, D.T.: Laparoscopic resection of esophageal epiphrenic diverticulum. J Laparoscopic Adv Surg Tech A 1998; 8(4):201-7.
9. Ohgami, M.; Ando, N.; Ozawa, S. et al.: Thoracoscopic surgery for benign esophageal disease. Rinsho Kyobu Geka 1994; 14(1):30-6.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Rua Dr. Celestino, 26 - Centro
Niterói - RJ CEP 24020-091
E-mail: lutegarde@urbi.com.br 


(1) Prof. Titular do Depat. de Cirurgia Geral da UFF e Chefe de Serviço de Cirurgia Geral do Hospital dos Servidores do Estado

(2) Chefe de Cirurgia do Hospital Orêncio de Freitas - Niterói - RJ

(3) Cirurgião do Hospital Orêncio de Freitas - Niterói - RJ

(4) Médicos Residentes do Hospital Orêncio de Freitas - Niterói - RJ