Órgão Oficial de Divulgação Científica da
Sociedade Brasileira de VideocirurgiaISSN: 1679-1796
ANO 5 Vol.5 Nº 3 -Jul/Set 2007<< Arquivo PDF >>
Neuropatia por Aprisionamento
Entidade não Esquecida na Era LaparoscópicaNerve Entrapment Syndrome
Not Forgotten Entity in Laparoscopic EraEdna Delabio Ferraz
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ - Brasil
O diagnóstico da dor abdominal crônica de origem parietal constitui dificuldade específica exigindo, não raro, abordagem multidisciplinar. Condição incapacitante, comum a ambos os sexos, afeta com maior freqüência pacientes do sexo feminino. Está comumente relacionada ao comprometimento dos nervos sensitivo-cutâneos da parede abdominal, quer seja na cirurgia aberta ou videolaparoscópica. Com freqüência o paciente é encaminhado para consulta psiquiátrica, submetido a videolaparoscopia ou exames de alto custo, antes de ter seu diagnóstico firmado. O custo estimado da investigação pode atingir cifras elevadas. É mais comum na hernioplastia inguinal, na cirurgia da pelve ou nas cirurgias com acesso lombar. Com base na literatura mundial o presente estudo revisa os dados mais importantes sobre o tema. Os melhores métodos diagnósticos como o sinal de Carnett e o bloqueio anestésico do ponto crítico na parede abdominal, além dos tratamentos mais indicados são atualizados. Na maioria dos casos o tratamento conservador pode controlar o quadro e na falha deste pode ser necessária a exploração da incisão ou mesmo a neurectomia, via aberta ou laparoscópica. É incluída, ainda, uma revisão anatômica, com os elementos chave para a melhor compreensão do cirurgião, relacionando-os com as incisões de Bergmann-Israel, Lennander, Pfannenstiel, Maylard, Chevron, Kocher, entre outras, auxiliando, não somente a profilaxia como também o melhor diagnóstico e tratamento desta importante e, por vezes, esquecida condição.
Palavras-chave: SÍndrome de CompressÃo Nervosa, Dor pÓs-operatÓria, Causalgia, Neuralgia, Mononeuropatia, Nervos PerifÉricos, Enfermidades do Sistema Nervoso PerifÉrico, Telas CirÚrgicas, Cirurgia Assistida por VÍdeo, Laparoscopia.
Difficulties in diagnosis of chronic abdominal pain often require multidisciplinary consultation team. Characterized as a disabling condition, the painful chronic syndrome is common to both genders, affecting women more often than men. Commonly, abdominal chronic pain is related to sensitive cutaneous nerve and can occur as a result of injury after open or laparoscopic surgery. It is not unusual that the individuals are referred to a psychiatric consultant or even submitted to laparoscopy or high cost examinations for diagnosis, and can reach high value. It is more common in hernioplastia, in pelvis surgery and lumbar incisions. The present study aims to review the most important data, based on international literature. The best diagnostic methods, as the sign of Carnett and anesthetic blocking the critical point in the abdominal wall, are reviewed as soon as treatments. For most cases, conservative treatment can control the condition. Clinical treatment can failure and may be necessary surgical wound reexploration or even open or laparoscopic neurectomy. A anatomical review and the key points for better understanding of the surgeon are included, related with Bergmann-Israel, Lennander, Pfannenstiel, Maylard, Chevron and Kocher incisions, thus helping not only prophylaxis but also the better diagnosis and treatment of the syndrome.
Key words: Nerve Compression Syndromes, Postoperative pain, Causalgia, Neuralgia, Mononeuropathies, Peripheral Nerves, Peripheral Nervous System Diseases, Surgical Mesh, Video-Assisted Surgery, Laparoscopy.
Ferraz E.D. Neuropatia por Aprisionamento - Entidade não Esquecida na Era Laparoscópica Rev bras videocir 2007;5(3):144-157.
Recebido em 14/10/2007
Aceito em 13/11/2007
nvestigação de alto custo, desapontamento, insegurança e consultas multidisciplinares. Esta é a história natural dos pacientes que sofrem de dor abdominal crônica de origem parietal.
A dor abdominal crônica é frequentemente associada aos acessos cirúrgicos do andar inferior do abdome, utilizados na cirurgia ginecológica, colorretal e urológica, onde são comuns as incisões transversas e oblíquas.
Mais recentemente, o acesso minimamente invasivo e as cirurgias combinadas ganharam novos adeptos, entre os cirurgiões videolaparoscópicos, ressurgindo o interesse e enfatizando a utilidade sobre estas incisões. Nestes acessos mais cosméticos, que oferecem maior campo com menor trauma, toda atenção é necessária com os mecanismos envolvidos no chamado aprisionamento (entrapment) dos nervos cutâneo-sensitivos. Dos vários mecanismos reconhecidos, os relacionados com as técnicas operatórias representam uma problemática especial para o binômio médico-paciente.
Com a expansão do acesso videolaparoscópico, torna-se indispensável um debate sobre o tema. Além de demandar incisões econômicas, acessos minimamente invasivos, portas para os instrumentais, suturas, grampeamento e até mesmo a conversão, a laparoscopia pode participar também na geração dos antigos problemas relacionados com a dor parietal pós-operatória de difícil tratamento, quando não intratável.
Retomamos a discussão através de uma revisão sistemática sobre o tema. Pretende-se, com este trabalho, contribuir para o emprego seguro dos acessos abertos ou laparoscópicos através da parede abdominal.
HISTÓRICO
A primeira neuropatia periférica reconhecida foi tratada através da ressecção do nervo femural cutâneo lateral. Descrita inicialmente por Hager (1885) foi posteriormente denominada "meralgia parestésica" por Roth (1895) é também conhecida por Síndrome de Bernardth-Roth1. Cyriax (1919), com sua experiência ortopédica, defendia a natureza somática da dor abdominal crônica, relacionando-a com a coluna vertebral e suas raízes nervosas, especialmente as intercostais.2,3 Esta nova conceituação derrubava o pensamento de Frank (1792) que denominava esta dor abdominal de difícil diagnóstico, de peritonitis muscularis. Foi a partir dos estudos de Carnett (1926) que a dor de origem parietal ganhou maior espaço de discussão, passando a fazer parte do diagnóstico da dor abdominal de origem obscura e difícil.4,5
DEFINIÇÃO
A neuralgia da parede abdominal constitui uma dor somática neuropática, de natureza crônica, classificada como uma mononeuropatia periférica e definida como uma causalgia. Caracteriza-se pelo difícil diagnóstico, comumente interpretada como dor visceral, chega a ser incapacitante. É originada pelo sofrimento do nervo, em geral provocado pela compressão mecânica de alguma estrutura próxima, podendo ainda ser gerada por trauma ou edema local. Comumente é unilateral o que não invalida a possibilidade de manifestar-se bilateralmente.
A mais comum delas é a neuropatia ilioinguinal, reconhecida como neurite inguinal, inguinodínia ou mononeuropatia inguinal, freqüentemente relacionada com a cirurgia da hérnia inguinal. Os baixos índices de diagnóstico a tornam uma entidade complexa.
EPIDEMIOLOGIA
A dor abdominal crônica é um evento comum a ambos os sexos, embora haja maior incidência em mulheres, estimando-se que em cerca de 35% dos pacientes não se encontrem alterações à laparoscopia que definam a origem da dor.2
A dor crônica de origem parietal é uma complicação potencialmente incapacitante, bem mais conhecida no reparo de hérnia inguinal. Sua prevalência tem sido analisada em vários estudos multicêntricos e sistemáticos, mas não está bem definida porque os critérios e metodologia empregados se diferenciam muito, uns dos outros. Estudo canadense multicêntrico (Cooperative Hernia Study) observou dor de média e forte intensidade em 11,9% dos pacientes submetidos a técnicas abertas.6 Outro estudo multicêntrico italiano analisou os resultados de 973 pacientes submetidos à hernioplastia, revelando que a dor crônica alcançou taxas de 9,7% e foi correlacionada a não identificação da divisão dos ramos do nervo genitofemural durante a dissecção para correção aberta da hérnia inguinal.7 Dados de estudos multicêntricos europeus e norte-americanos indicam que o emprego de tela não se revelou um fator capaz de aumentar a incidência de dor crônica na hernioplastia8 embora uma revisão sistemática mais recente revele dor crônica associada ao uso de tela em 11% dos casos9. Publicação inglesa avaliando 2.164 pacientes detectou uma incidência de dor crônica em 14,3% nas cirurgias abertas e em 9,8% nas laparoscópicas.10
Em operações ginecológicas, a ocorrência de neuralgia foi registrada em 3,7% dos casos.11
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
O diagnóstico da dor abdominal crônica é clínico, como referido pela maioria dos autores, podendo ser difícil por tratar-se de uma causa pouco lembrada.
Pode apresentar-se sob formas clínicas diversas, observando-se dor (neuralgia), sensação de queimação, formigamento ou dormência (parestesia) ou hiperestesia (sensação desagradável ao estimular) ou dor irradiada. Nos casos de inguinodínia pode irradiar até a pele homolateral da bolsa escrotal, dos grandes lábios e trígono de Scarpa. Em geral, o paciente consegue indicar com precisão o ponto álgico com "um dedo".
Pacientes com história de cirurgia no abdome inferior, pelve ou lombar apresentam uma tríade comum: (1) dor típica em queimação ou lancinante próxima à incisão que irradia para a área suprida pelo nervo, (2) evidência de alterações da percepção sensorial nesta área, e (3) dor aliviada através da infiltração com anestésico local na região em que os dois nervos (ilioinguinal e ilio-hipogástrico) deixam o oblíquo interno.12
A dor neuropática pode ser reproduzida através da percussão suave da pele medial à espinha ilíaca ântero-superior ou sobre uma área de sensibilidade localizada, de forma similar ao sinal de Tinel. A percussão será seguida de "sensação de choque" (hiperestesia) originada pelo sofrimento por compressão do nervo. Movimentos corpóreos como o caminhar/parar e a hiperextensão/rotação do tronco podem provocar a dor.8
Outra manobra útil é a conhecida por sinal de Carnett, descrita pelo autor em 192613,14. Esta manobra é realizada com o paciente em decúbito dorsal enquanto o examinador localiza o ponto álgico com a indicação do paciente. Enquanto o examinador pressiona o ponto com os dedos o paciente flexiona o tronco e as pernas. Isto deverá manter ou piorar a dor, enquanto afasta a dor visceral que deveria desaparecer com a manobra, caracterizando um sinal de Carnett positivo (Figura 1). Contração satisfatória da parede abdominal pode ser obtida para a aplicação do teste, solicitando do paciente apenas a flexão de cabeça e ombros.15
Figura 1- Manobra de flexão do dorso para avaliação do sinal de Carnett.
O bloqueio anestésico no trajeto do nervo, proximal à área de sensibilidade, é outro teste útil para confirmar a hipótese. Em casos especiais, estudos de condução nervosa foram úteis na identificação do nervo comprometido e na indicação da neurectomia, inclusive quando houve falha do tratamento cirúrgico. Um protocolo clínico foi sugerido para a diferenciação do nervo afetado, facilitando a abordagem cirúrgica.16
Um baixo índice de diagnóstico é a regra.17 Foi observado que apenas 34% dos casos foram elucidados por médicos clínicos de referência, enquanto apenas 26% dos casos receberam diagnóstico quando os examinadores eram residentes.18
Os sintomas mais comuns foram revisados em 46 mulheres que sofriam da síndrome dolorosa, das quais cinco apresentavam dor bilateral, totalizando 51 nervos comprometidos. A hiperestesia foi o achado mais comum (88%) seguido de disestesia (53%), dor à compressão da origem do nervo (75%), sendo a hipoestesia rara (6%). Nesta mesma série os autores comentam, adicionalmente, que um dos pré-requisitos para a indicação cirúrgica foi um resultado positivo com bloqueio anestésico local.19
É comum que os diagnósticos mentais e psiquiátricos sejam suspeitados e não confirmados pelos especialistas. Ilustra bem o problema o relato de uma jovem de 21 anos encaminhada para clínica psiquiátrica, que recebe o diagnóstico adequado após anestesia in loco dolenti, afastando definitivamente causa mental para sua dor abdominal crônica.20
Uma interessante revisão resume as características da dor parietal e alerta para as observações necessárias para diferenciá-la de outras condições, como inspecionar as cicatrizes. Chama atenção para a importância de se afastar o diagnóstico de hérnia incisional antes do emprego do teste com o bloqueio anestésico.15
Deve-se lembrar sempre que a dor abdominal crônica de natureza somática não está relacionada somente com os nervos envolvidos em cicatriz operatória da parede abdominal. Pode estar relacionada também com processos que comprometam os ramos cutâneos ventrais torácicos de T8 a T12, junto à linha semilunar, onde perfuram a aponeurose e tornam-se mais superficiais.21 Lembrar, também, que o ramo de T10 relaciona-se à zona umbilical e que o ramo de T12 suprem as fossas ilíacas, assim como a região inguinal e suprapúbica (Figuras 2, 4 e 6).
Pelos motivos acima expostos, enfatiza-se a importância sobre o conhecimento da anatomia dos nervos sensitivo-cutâneos e sua distribuição na parede abdominal.
ANATOMIA E VARIAÇÕES
Uma parte dos ramos cutâneos sensitivos envolvidos nestas síndromes dolorosas se origina dos ramos ventrais dos nervos torácicos, o restante é proveniente do plexo lombar. As divisões anteriores dos nervos torácicos (ramos ventrais) são em número de doze, em cada lado. Onze, estão situados entre as costelas (nervos intercostais) e o décimo-segundo corre abaixo da última costela (nervo subcostal). Os 12 pares de ramos ventrais dos nervos torácicos não constituem plexos. Os nervos intercostais distribuem-se nas paredes do tórax e do abdome. As fibras sensitivas dos nervos intercostais dispersam-se pela região lateral e anterior do tórax, denominando-se respectivamente ramo cutâneo lateral e ramo cutâneo anterior. Do 7º ao 12º, anteriormente abandonam as costelas e se espalham pelo abdome inervando músculos e a pele, desde a região umbilical até a sínfise púbica. O nervo subcostal (T12) dá um ramo que se comunica com o plexo lombar e algumas fibras sensitivas que suprem a região glútea e face lateral da coxa (Figura-2).
Figura 2- Distribuição dos nervos torácicos (intercostais e subcostal) na parede abdominal antero-lateral, face lateral da coxa e região glútea (adaptado de Testut).
Os nervos sensitivo-cutâneos da parede abdominal são formados pelas divisões ventrais (anteriores) de L1, L2 e L3, parte de L4 e um ramo de T12 que se reúne com L1. Passamos a descrever os três mais importantes:
- O nervo ilio-hipogástrico se origina de L1 e possui um ramo comunicante de T12. Emerge da borda superior do músculo psoas, cruzando o quadrado lombar até a crista ilíaca onde penetra no músculo transverso abdominal. Correndo entre o músculo transverso do abdome e o músculo oblíquo interno passa a cerca de dois centímetros acima do anel inguinal externo, indo suprir a pele e a região hipogástrica.
- O nervo ilioinguinal se origina de T12 e L1 e segue curso paralelo sobre o quadrado lombar, abaixo do nervo ilio-hipogástrico. Penetra o transverso abdominal junto à crista ilíaca e passa através do músculo oblíquo interno, onde passa entre os músculos oblíquo interno e externo. Segue, então, abaixo do cordão espermático e através do anel inguinal externo para suprir a pele medial e proximal da raiz do pênis, parte alta da bolsa escrotal ou monte pubiano e lábio maior.
- O nervo genitofemural se origina de L1 e L2. Passa obliquamente através da substância do psoas maior e emerge de sua borda medial, junto à coluna vertebral.
Os trajetos destes nervos sensitivos delimitam os dermátomos, zonas sensitivas que podem auxiliar no diagnóstico do nervo envolvido na neuropatia (Figuras 3, 4, 5 e 6).
Figura 3- Plexo lombar, emergência do nervo subcostal (T12), íleo-hipogástrico, ilioinguinal e genitofemoral _ seus trajetos junto aos planos musculares, crista ilíaca e canal inguinal (adaptado de Grey Anatomy).
Figuras 4 e 5- À esquerda: os dermátomos da parede anterior do abdome. O nível T10 relaciona-se com a região umbilical e T12 com a região suprapúbica. O nervo ilio-hipogástrico, ilioinguinal (T12, L1) e genitofemoral (L1 e L2) fornecem ramos cutâneos para a região suprapúbica, inguinal e crural (modificado de Netter, Anatomia Humana). À direita: Representação do curso do n. ilio-hipogástrico - o filete mais superior, e do n. ilioinguinal - o filete mais inferior (adaptado de Spaltenholz, Fonte: Carnett 1927).
Figura 6 - Os nervos sensitivos da parede abdominal emergem dos ramos T8-T12 e L1. Seus trajetos na parede ântero-lateral do abdome podem estar relacionados com o risco de envolvimento por incisão, sutura, grampeamento ou passagem de trocartes, podendo assim originar a neuropatia.
A correlação anatômica destes nervos com os acessos cirúrgicos da parede toracoabdominal antero-lateral auxiliam o cirurgião, nos variados acessos _ tanto para cirurgia aberta quanto para a laparoscópica. De forma semelhante ao mapeamento vascular para inserção dos trocartes na cirurgia laparoscópica22 o mapeamento anatômico do curso destes nervos, indicando os pontos de risco associados às incisões de apendicectomia, herniorrafia, cesariana e nefrectomia lombar. Estudo em 44 cadáveres de humanos adultos resultou em algumas recomendações: a) em caso de apendicectomia as incisões deveriam distar da espinha ilíaca ântero-superior em ao menos 3 cm, b) na hernioplastia, após abertura da aponeurose do oblíquo externo, o nervo deve ser deslocado do cordão espermático cranialmente, c) em incisões paramedianas (Lennander) e transversas (Pfannenstiel), o nervo íleo-hipogástrico será preservado se a incisão passar, ao menos, 5 cm acima do ligamento inguinal e, finalmente, d) nos casos de incisão lombar oblíqua para nefrectomia (Bergmann-Israel) o nervo íleo-hipogástrico poderá ser facilmente encontrado no terço médio da margem lateral do músculo quadrado lombar onde deve ser gentilmente deslocado para baixo (Figura 7).23
Figura 7- Cursos dos nervos ilio-hipogástrico e ilioinguinal através dos planos da parede abdominal. As linhas numeradas de 1-5 representam o trajeto de algumas incisões: uincisões para apendicectomia transversa e oblíqua, vincisão inguinal obliqua, wincisão para-retal, xincisões transversas suprapúbicas, yincisão lombar (segundo Mandelkow H and Loeweneck H, em The iliohypogastric and ilioinguinal nerves. Surg Radiol Anat 1988;10:145-49) 23.
O curso dos nervos ilio-hipogástrico e ilioinguinal na região inguinal foi investigado em 110 cirurgias de hérnia inguinal, fornecendo dados auxiliares sobre os riscos de lesão na hernioplastia. Variações foram encontradas em 58% dos casos, tornando-os susceptíveis à lesão, embora facilmente identificáveis. Os autores enfatizam que a apropriada identificação dos filetes nervosos pode abolir ou mesmo reduzir consideravelmente a incidência de alterações do sensório ou da dor neuropática pós-operatória da hernioplastia.24 As variações do nervo ilio-hipogástrico não foram confirmadas em estudos com cadáver em amostra de apenas 18 espécimes.25 Apesar disto, todos os autores concordam sobre a importância da identificação dos nervos durante a cirurgia como fator determinante para a redução da dor crônica (Figura 8). Um outro estudo mapeou através de 11 cadáveres femininos os territórios mais freqüentes dos nervos ilio-hipogástrico e ilioinguinal, objetivando reduzir a incidência de problemas relacionados às incisões suprapúbicas para acesso aos órgãos da pelve feminina (Figura 9).26
Figura 8- Representação dos pontos críticos para aprisionamento e lesão do último nervo intercostal, do n. ilio-hipogástrico, do n. ilioinguinal e do genitofemural. Está representado também o risco com o prolongamento das incisões transversas (especialmente o Pfannenstiel) e o fechamento inadvertido sem a identificação dos filetes nervosos.
Figura 9- Mapeamento dos ramos nervosos e suas relações com a epigástrica inferior, cicatriz umbilical e sítios de portas laparoscópicas mais utilizados, na parede abdominal de acordo com Whiteside JL (Am J Obstet Gynecol 2003;189:1574-8) 26.
A dor crônica originada da parede abdominal pode estar relacionada à hérnia, encarceramento de filetes nervosos em suturas, neurite costal, hematoma da bainha do reto, entre outras.27, 28 A neuropatia dos ramos sensitivos pode estar associada à contração da cicatriz operatória ou ao efeito direto de sutura ou grampeamento. O aprisionamento clássico do nervo na parede abdominal foi estudado em microanatomia. Estes dados suportam a hipótese de que a dor crônica não relacionada com os procedimentos cirúrgicos pode surgir como resultado da compressão isquêmica na passagem do nervo pelos anéis fibrosos, onde microestruturas podem ancorar o nervo e causar dor contínua ou intermitente.4, 5, 21
Aquelas geradas por manipulação cirúrgica estão associadas a vários tipos de incisões, especialmente as do andar inferior e flancos, incluindo-se aqui o acesso laparoscópico. Na hernioplastia, causa comum de neuralgia, diversos fatores explicam a síndrome dolorosa, como revisado por Amid PK8, em 2004 - Quadro 1:
A incisão de Pfannenstiel foi avaliada em 243 pacientes submetidas à operação ginecológica, laparoscópica ou não, sendo observada uma incidência de neuralgia em 3.7% dos casos, sugestiva da síndrome do aprisionamento do nervo. Um fator de risco relacionado à sua extensão/ampliação lateral foi identificado nesta incisão.11
Em cirurgia ginecológica laparoscópica, são encontrados relatos de caso em que o fechamento de portal de 10mm nos flancos gerou dor intratável no pós-operatório imediato, obrigando a reoperação imediata em 2 casos.26, 29
Outras operações podem ser responsáveis pela síndrome álgica. Na cirurgia de incontinência urinária através de suspensão retropúbica por agulha, foram encontrados 7 casos em 3 anos, em um mesmo serviço.30 No tratamento estético do abdome ocorreu possivelmente associada com plicatura do reto abdominal.31 Outras causas foram: remoção da crista ilíaca anterior para enxertia óssea32, 33 e rotação de retalho músculo-cutâneo para reconstrução de mama, resultando em neuroma34. Casos mais graves foram descritos, como o de uma paciente com neuralgia bilateral após tratamento para incontinência urinária através de cirurgia de Burch, onde foi empregada a incisão de Pfannenstiel, o que exigiu reoperação para neurotomia bilateral.35 Técnicas como a cistouretropexia ou sling, para a cura de incontinência (tension-free vaginal tape procedure, TVP) também estiveram associadas à ocorrência de neuralgia.36, 37
Outras causas não estão relacionadas à operação ou trauma. É o que ocorre em gestantes38, onde a neurite abdominal ocorre provavelmente por edema local, e em adolescentes que utilizam anticonceptivo hormonal39.
Hérnia epigástrica, hérnia de Spiegel, hematoma da bainha do reto, endometriose e herpes zoster, podem estar associados à irritação dos filetes nervosos, constituindo causas adicionais de dor originada da parede abdominal, que merecem ser lembradas. Cintos ou roupas justas podem, mais raramente, provocar dor com estas mesmas características.40
TRATAMENTO
O tratamento multidisciplinar é enfatizado na maioria dos estudos. Em uma revisão de 38 casos, foi considerado que as consultas neurológicas e anestesiológicas foram úteis e influenciaram para o sucesso do tratamento cirúrgico através da neurectomia.41 Nos casos em que o tratamento conservador não atinge controle adequado, caracterizando dor intratável, a abordagem cirúrgica pode ser necessária.42
Tratamento Conservador
Quando ocorre apenas a neuropraxia (alteração da mielina sem lesão axonal) o tratamento clínico pode ser a melhor escolha, pois em geral a dor é auto-limitada.8 O bloqueio, com anestésicos ou esteróides, é muito utilizado como método paliativo enquanto se realizam exames complementares para esclarecimento da origem exata do quadro. Pode também controlar os sintomas, até remissão espontânea da neuralgia. Punção guiada por ultrassonografia pode identificar o melhor ponto de infiltração.43
O tratamento farmacológico também foi tentado. Carbamazepina, um fármaco anticonvulsivante, bloqueador de canais de sódio usado em neuropatia periférica, foi utilizado com sucesso em neuralgia secundária a herniorrafia.44
Crioablação, Neuromodulação
A crioablação tem sido mencionada como tratamento opcional. Inspirada em Cooper, que introduziu o método em 1961, utiliza-se nitrogênio líquido que gera temperaturas de 190 oC negativos, sendo citado como superior a outros métodos de destruição de nervos periféricos, incluindo neurólise alcoólica, por fenol ou cirúrgica. A crioanalgesia destrói a estrutura nervosa e cria uma degeneração waleriana, mas deixa intactos a bainha de mielina e o endoneuro, representando uma boa opção.45 Baseado no sucesso com o tratamento da neuralgia craniofacial e síndromes dolorosas malignas, autores aplicaram ablação crioanalgésica na neuralgia crônica ilioinguinal e genitofemural em 10 pacientes (9 homens e 1 mulher) alcançando um índice de sucesso em que 90% dos pacientes relataram melhora da capacidade física antes comprometida.46
A radiofreqüência pulsada é outra opção conservadora, sendo considerada como um tratamento não neuro-destrutivo resultando em menor potencial de formação de neuroma. Realizado em 5 pacientes com dor após hernioplastia provocou alívio da dor em 4 deles47. A neuromodulação através de estimulação dos nervos periféricos com eletrodos também foi incluída neste arsenal terapêutico e pode ser lembrada como tratamento conservador em casos selecionados.48
Cirúrgico
É o tratamento preferencial, segundo a maioria dos autores. Neste grupo encontra-se a liberação do nervo aprisionado em sutura (grampeamento ou tela), a neurólise e a neurectomia como opções.
Recente revisão sistemática realizada em 2005 mostrou ser a neurectomia o tratamento mais descrito.49 Nos casos em que a dor foi originada da hernioplastia, a neurectomia deve ser o tratamento definitivo de rotina16. Com este tratamento foram registrados índices de sucesso de 7012, 9050 e até 100%51.
A inguinodínia decorrente da hernioplastia atravessou anos da história da cirurgia e ainda se constitui numa grande preocupação nos dias atuais. Investigação retrospectiva recente avaliando um grupo de pacientes em que foi realizada a neurectomia profilática, comparando-o com outro operado de forma tradicional, concluindo que a incidência de dor pós-operatória foi consideravelmente menor no grupo com neurectomia profilática (3% vs. 26%).52 Como registrado na literatura, a incidência pode chegar a 37% dos casos, justificando a inclusão deste dado no consentimento informado de pacientes a serem submetidos a hernioplastia.42
O tratamento cirúrgico da dor neuropática crônica após hernioplastia tem sido realizado em dois tempos: (1) neurectomia ilioinguinal e ilio-hipogástrica, através de acesso inguinal, e (2) neurectomia do nervo genital através de acesso no flanco. No entanto, outros têm realizado a neurectomia tripla em um só tempo, como no estudo do Lichtenstein Hernia Institute (Los Angeles, EUA) em que 225 pacientes foram submetidos à técnica em um só tempo, associando a implantação proximal do coto neural, evitando assim sua aderência às estruturas aponeuróticas da virilha, causa comum de recorrência do quadro álgico. Nesta série, o índice de cura foi semelhante à técnica em dois tempos (cura completa em 80%, com 15% de dor residual insignificante e nenhum prejuízo funcional). Estes autores preferem não mais utilizar o termo "aprisionamento" (entrapment) já que em 11% dos casos o achado histopatológico demonstrou neuroma traumático, em 37% aprisionamento por sutura, grampos ou tela e em 57% se observou fibrose perineural. Lembram que na hernioplastia laparoscópica o nervo ilio-hipogástrico está sujeito ao "aprisionamento" pelo grampeamento de telas junto ao canal anal, assim como o nervo genitofemoral medial ao anel interno, e o ilioinguinal lateral ao anel interno.8
A hernioplastia chamada "livre de tensão", pela introdução rotineira de tela, melhorou o resultado desta cirurgia embora a dor pós-operatória não tenha se alterado. Para avaliar se a neurectomia ílio-hipogástrica poderia livrar os pacientes desta síndrome, um trabalho prospectivo realizado em 100 pacientes com hérnia inguinal bilateral (comparando a neurectomia unilateral com a bilateral) não conseguiu encontrar dados estatisticamente significantes para concluir em favor da neurectomia de rotina.53
Dor intratável após parto cesariano foi aliviado com neurectomia.26 A neurectomia através de técnica laparoscópica retroperitoneal também vem sendo empregada com sucesso.54,55
DISCUSSÃO
A história natural da dor abdominal crônica a revela uma entidade de difícil esclarecimento e complexa de tratar. Na presente leitura destacamos a importância da natureza parietal, comumente associada aos acessos cirúrgicos.
As síndromes dolorosas associadas com o aprisionamento (ou encarceramento) dos nervos cutâneos da parede abdominal foram alvo de inúmeras publicações no passado. A síndrome do aprisionamento dos nervos cutâneos abdominais (ACNES, Abdominal Cutaneous Nerve Entrapment Syndrome) é referida também como síndrome do encarceramento ou da compressão, já que sua manifestação clínica pode estar relacionada a estímulo do filete nervoso, por ação mecânica. Hager (1885) foi quem primeiro reconheceu uma dessas neuropatias - meralgia parestésica, relacionada ao nervo cutâneo femoral lateral, e Roth (1895) foi quem primeiro tratou através da neurectomia, ressecando este nervo. Cyriax (1919) sugeriu que a etiologia da dor abdominal crônica poderia estar relacionada, também, com compressão de filetes nervosos na parede toraco-abdominal. Desde então o entendimento sobre a dor abdominal crônica se expandiu e a lista de diagnósticos para diferenciá-las foi ampliada. Dor crônica de natureza visceral (intestino irritável, cólon espástico, gastrite ou doença maligna) assim como desordens psicossomáticas (neurose, depressão, ansiedade ou histeria) deverão sempre estar presente na lembrança do profissional que avalia a dor abdominal crônica.2,3,40,56 Mas, é a dor de origem parietal a que deve merecer consideração adicional, especialmente quando relacionada a procedimento cirúrgico.
A neuralgia por neuropraxia é mais freqüente na hernioplastia, na cirurgia do útero e anexos, na apendicectomia, na cirurgia renal e no tratamento da varicocele (Ivanissevich ou Palomo) onde as incisões transversas e oblíquas são largamente usadas.2 O ressurgimento destas incisões foi resultado da procura por incisões mais cosméticas e menos dolorosas. As técnicas de cirurgia minimamente invasiva levou-nos a redescobrir os antigos acessos, como as incisões transversas, motivados pelos estudos multicêntricos que demonstram vantagens destas como: menor prejuízo à função pulmonar, menos risco de herniação, dor pós-operatória e deiscência reduzidas, além de melhores efeitos cosméticos.57, 58
O emprego de próteses para correção da parede abdominal não deve ser esquecido como causa da síndrome. Na cirurgia da hérnia inguinal as telas conquistaram muito espaço assim como o uso dos grampeadores usados para sua fixação. Mais recentemente, autores identificaram, através de revisão sistemática da literatura, que a adequada identificação de todos os nervos inguinais reduziu de forma significativa a incidência de dor crônica na hernioplastia aberta25. No entanto, a causa mais importante de neuralgia pós hernioplastia parece estar relacionada à falha ao identificar e proteger os nervos. Para que se evite esta complicação incapacitante é necessário um bom entendimento da anatomia da região.8,59
A neurectomia de rotina foi recomendada durante a hernioplastia inguinal a Liechtenstein. Autores estão convencidos de que mesmo com o domínio da técnica e conhecimento da anatomia da região, a incidência neuropatia ainda é preocupante.52 Em uma série de 1.210 cirurgias pélvicas foi estimada a incidência de neuropatia pós-operatória em 1,9% (23/1.210 casos). Estes autores comentam que a causa da neuropatia geralmente foi relacionada ao trauma cirúrgico, aprisionamento do nervo em sutura ou ao emprego de afastadores. O tratamento foi inicialmente farmacológico, passando a cirúrgico, incluindo-se o suporte psicoterápico, com uma taxa de cura em 73% dos casos.60 Utilizando-se de neurectomia eletiva, em 191 pacientes, obteve-se uma redução imediata das taxas de dor pós-operatória.61
Outro tópico muito discutido é o alto custo que o diagnóstico da dor abdominal crônica representa. Um estudo avaliando este dado na investigação para exclusão diagnóstica da "dor visceral", após infiltração com esteróides, seguimento e procedimentos diagnósticos, na tentativa de excluir causa visceral, revelou uma média de US$ 700 por paciente.62
A avaliação multiprofissional é reservada para casos especiais. Dor excruciante, que surge no período pós-operatório imediato e responde pouco às medidas convencionais de analgesia, pode ser indicativo de re-intervenção. A baixa resposta ao tratamento conservador pode exigir consulta ao anestesiologista e à clínica de dor. Não é prudente arriscar em diagnósticos psiquiátricos sem antes esgotar os algoritmos mais conhecidos para o esclarecimento da dor abdominal crônica, onde se incluem: as manobras e testes debatidos como o teste de Carnett e o bloqueio anestésico - este último, somente após ter sido afastada a possibilidade de hérnia incisional.
De acordo com a intensidade da dor, e da incapacidade funcional, será decidido o tipo de tratamento. Para a maioria dos casos, o tratamento conservador será bem adequado, podendo lançar mão da infiltração local com esteróides, passando ao tratamento farmacológico, ou mesmo a eletro-estimulação e acupuntura. Mas, para uma minoria não desprezível de pacientes, o tratamento radical, seja com a crioablação, ou com a exploração do sítio operado seguida ou não de neurectomia, possivelmente será o único meio de restabelecer o conforto ao paciente em sofrimento, o que chega a justificar a indicação de neurotomia de rotina para a cirurgia de hérnia.
Incisões transversas podem minimizar a dor pós-operatória, as complicações pulmonares e o risco de deiscência/evisceração e hérnia, de acordo com revisões sistemáticas publicadas na Biblioteca Cochrane.57, 58
No abdome superior, estas incisões também são alvo de análise, especialmente com o advento do transplante renal e hepático, assim como da cirurgia bariátrica e pancreática, havendo uma preocupação com respeito a possibilidade de complicações, embora seja consenso que as vantagens para o paciente estejam muito bem definidas65. Nas incisões transversas no abdome superior (Chevron, Kocher e Mercedes Benz) muito utilizadas na cirurgia das vias biliares, no transplante hepático e na cirurgia pancreática, a secção dos nervos sensitivos ventrais é bastante provável. Quanto menor concavidade inferior, menor este risco.
As incisões infraumbilicais transversas podem livrar estes ramos nervosos, desde que sejam atendidos os planos de dissecção, hemostasia e fechamento dos planos parietais. Na incisão Bergmann-Israel para lombotomia o risco é maior do lado direito, onde a incisão costuma ser mais baixa, implicando em maior chance de lesão para o ilio-hipogástrico. O afastamento deste nervo nesta incisão pode minimizar a possibilidade de lesão. Nas incisões Rockey-Davis ou MacBurney para apendicectomia, há risco também para o ilio-hipogástrico, sendo recomendado que a incisão seja realizada 3 cm acima e medial à espinha ilíaca ântero-superior. Durante o fechamento dos planos músculo-aponeuróticos, o nervo ilioinguinal coloca-se em risco, pois em 4% dos casos situa-se junto ao oblíquo interno bem próximo a espinha ilíaca ântero-superior. Nas incisões para a hernioplastia, os três ramos (ilio-hipogástrico, ilioinguinal e genitofemoral) estão em perigo. É requerida atenção especial nesta dissecção, assim como na aplicação de pontos e grampos para posicionamento de tela, especialmente pela ocorrência de variações no curso destes nervos com relação ao canal inguinal. Na incisão Pfannenstiel muito baixa e muito longa, tanto o ilioinguinal quanto o ilio-hipogástrico podem ser alcançados. Recomenda-se que a incisão esteja, ao menos, 4 cm acima do ligamento inguinal e 3 cm medialmente à espinha ilíaca ântero-superior (Figura-10).
Figura 10- Correlação entre as incisões mais comuns e os ramos ventrais dos nervos toraco-lombares: (1) Lombar Bergmann-Israel, n. T12 e ilio-hipogástrico; (2) Rockey-Davis, MacBurney, n. T12 e ilio-hipogástrico; (3) Pfannenstiel, ilio-hipogástrico e ilioinguinal; (4) Canal inguinal, ilio-hipogástrico, ilioinguinal e genitofemoral; (5) Maylard, T12 e ilio-hipogástrico; (6) Subcostal, Kocher, Chevron, n. T10 e T11 e T13 (adaptado de Spalteholz).
Incisões transversas têm constituído via de acesso adequada nas cirurgias minimamente invasivas, inclusive associadas à técnica laparoscópica. Exemplo disto é a técnica laparoscópica combinada com acesso manual, introduzida por Pupo-Neto (1994)63, que passou a empregar a incisão de Maylard64 _ uma incisão transversa suprapúbica trans-retal. Inicialmente empregada no abdome superior para gastrectomia, esta incisão vem conquistando muitos adeptos por oferecer um excelente campo operatório, especialmente para cirurgias com dissecção da pelve. A incisão de Maylard é mais alta que a Pfannenstiel, tomando como referência uma linha que cruza as espinhas ilíacas ântero-superiores. Por este motivo, constitui menor risco para lesão dos nervos. Mesmo assim recomenda-se, caso seja necessária ampliá-la cranial e lateralmente, que seja respeitada uma distância da crista ilíaca de ao menos 3 cm, e que durante o fechamento seja redobrada a atenção para não aprisionar os nervos dentro da sutura (Figura -11).
Figura 11- Incisão de Maylard em sua concepção original e uma versão mais caudal. Nota-se a espinha ilíaca ântero-superior (X) que serve de referência para a demarcação do local a ser incisado. O arqueamento da incisão facilita a subida da de seu prolongamento, quando necessário, para região de menor risco, longe do n. ilioinguinal, mas ainda com risco para o ilio-hipogástrico.
Portanto, enfatizam-se dois momentos cruciais para melhores resultados através destas incisões: (1) planejamento/marcação da linha de incisão e (2) síntese ao final da operação.
Finalmente, com a preocupação de comparar os resultados com diversas vias de acesso, especialmente com a finalidade de comparar as vias de acesso abertas com as laparoscópicas, foi elaborado um estudo sobre o grau de satisfação com a cirurgia abdominal por parte de um grupo de autores canadenses, que propuseram o emprego de questionário de qualidade de vida (QOL, Quality of Life)66. Neste questionário, são avaliados os seguintes fatores:
(1) limitação física (como dificuldade para sair da cama ou andar),
(2) impacto funcional (incapacidade de atuar em atividades usuais, dificuldade no banho),
(3) dor (dor na incisão, dor com a tosse ou movimentos),
(4) função visceral (dificuldade para comer, perda de apetite),
(5) sono (acordar noturno freqüente, dificuldade de pegar no sono),
(6) humor (desesperado, ansioso).
Excluindo o item (4), é difícil não correlacionar o item "dor" com todos os outros critérios. Este é, possivelmente, o fator que mais influencia a capacidade do indivíduo para retorno a sua vida funcional.
CONCLUSÃO
A topografia dos trajetos de ramos nervosos deve ser silenciosamente mapeada e monitorada pelo cirurgião, ao transpor a parede abdominal nos diferentes acessos. A prevenção da dor crônica requer, também na cirurgia laparoscópica, este domínio e cautela. A busca da melhor performance e a aplicação de técnicas avançadas se tornam procedimentos seguros na presença de um bom conhecimento anatômico associado ao entendimento da peculiar fisiologia da parede abdominal.
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